“O Equador mostrou ser um Estado soberano.” (Ricardo Aroca, ministro equatoriano das Relações Exteriores)
A Grã Bretanha, que ainda outro dia encantava o mundo com impecáveis Jogos Olímpicos, volta a assumir posição de realce no noticiário nosso de cada dia, mas agora, em decorrência de desastradas intervenções – impregnadas de intolerância e desafeição a valores democráticos – de sua chancelaria.
O que vem rolando diz respeito à célebre contenda do WikiLeaks. Encampando ostensivamente as manobras solertes, de características inquisitoriais, dos infatigáveis perseguidores do jornalista australiano Julian Assange, fundador e editor-chefe de um sítio eletrônico que bagunçou o coreto do poder político em vários cantos do planeta, os dirigentes do Reino Unido lidam com a momentosa questão do asilo concedido pelo Equador como um símio solto em loja de louça. Reduzindo a estilhaços a alegada fleuma para o diálogo de que tanto se ufana a diplomacia do país, os ingleses apelam para ameaças e intimidações que evocam atitudes de truculência comumente adotadas em regimes de características despóticas. O que não é bem o caso da nação de Sua Majestade, com sua reconhecida inclinação para as práticas do jogo democrático. A verdade, porém, é que, no afã de satisfazer o pedido de extradição do governo sueco, inocultavelmente a serviço do desejo de vingança da Casa Branca, interessada em aplicar severa punição no jornalista responsável pelo vazamento de estarrecedoras revelações sigilosas, a Inglaterra nega-se a acatar o asilo assegurado a Assange pelo presidente Rafael Correa, do Equador. E o que soa ainda pior: arrotando prepotência inquietante, reminiscência talvez dos tempos das aventuras imperiais, ameaça até quebrar a inviolabilidade territorial da embaixada equatoriana em Londres, retirando dali, na marra, o incômodo jornalista responsável pelas comprometedoras revelações trazidas ao conhecimento público.
O comportamento britânico
O WikiLeaks teve acesso a informações confidenciais acerca de episódios estarrecedores envolvendo líderes importantes. Apoderados de ira, os personagens e instituições expostos resolveram promover uma “caça às bruxas”, com o propósito de enquadrar nos devidos conformes o mentor do sítio. Contam para tanto com a prestimosa cumplicidade do governo sueco. A peça de acusação contra Assange chega a ser hilária pela indigência das provas. A acusação de estupro, “ocorrido” tempos atrás em solo sueco, valeu ao jornalista, debaixo de compreensível onda de protestos em todos os rincões do planeta, ordem de prisão emitida pela Justiça inglesa. Colocada em liberdade provisória, a vítima da torpe conspiração não teve como deixar de recorrer a asilo político na missão do Equador, ao perceber que se avizinhava o momento de sua mais do que certa extradição para a Suécia. A extradição, no ver de respeitados observadores, nada mais representaria do que manobra de fachada para colocar o jornalista sob a custódia dos Estados Unidos, de modo a que seja processado pela divulgação de milhares de telegramas extraídos de arquivos secretos. O material foi repassado, obviamente, por elementos da intimidade palaciana estadunidense. A possibilidade de que, convertida em realidade a transferência, Assange venha a responder, nos moldes dos tribunais de Guantánamo, por “traição” e ser até condenado à prisão perpétua, não é nada desprezável nas avaliações de experientes analistas políticos.
O Equador tem sido muito elogiado pela postura desassombrada que tomou, ao considerar verossímeis os temores de Julian Assange a respeito da perseguição política que lhe é movida. Ricardo Patino Aroca, ministro equatoriano das Relações Exteriores, afiançou dia desses, em entrevista, que “frente à prepotência, à agressão, à intimidação e ao desrespeito aos direitos humanos”, sua nação “não cessará no empenho em promover as relações entre Estados baseadas no respeito mútuo, no respeito à soberania e no respeito aos direitos humanos.”
A posição equatoriana, objeto – repita-se – de louvação no mundo todo, contrasta com o comportamento britânico e de seus parceiros, todos sob foco, neste instante, de inflamadas críticas. Por razões copiosas, acrescente-se.
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[Cesar Vanucci é jornalista, Belo Horizonte, MG]