Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Emilio Palacio e a liberdade

O último dia 16/8 foi emblemático para América Latina. Nessa data, sob holofotes internacionais, o presidente equatoriano Rafael Correa concedeu asilo político a Julian Assange. Logo o fundador do WikiLeaks apareceu triunfante na sacada da embaixada do Equador em Londres, para onde fugira em junho, dizendo-se alvo de um complô do governo americano. Os simpatizantes do hacker australiano e a militância política latino-americana vibraram.

O dia seguinte também fez história. Na sexta-feira (17/8), em Miami, o departamento de imigração do governo dos EUA aceitou o pedido de asilo de outro jornalista fugitivo, o equatoriano Emilio Palacio. Editorialista do diário El Universo, ele escreveu um editorial duro sobre Correa em 2011, chamando-o de “ditador”. Foi processado por injúria e condenado a três anos de prisão, após um julgamento-relâmpago. Mas no caso de Palacio, não houve foguetório nem manifestações de rua e ninguém fazia plantão em frente à sua casa em Coconut Grove.

Diminuto e com sua barbicha branca (já foi chamado de gnomo), o editorialista, de 57 anos, não goza da tietagem do webmaster australiano. Talvez por isso, Palacio só anunciou à imprensa a decisão na semana passada, em discreta coletiva, ao lado de sua advogada. Foi modesto. Para quem se preocupa com a liberdade de expressão, o Estado de direito e a qualidade da justiça, os dois casos, como também o acolhimento público de seus protagonistas, dizem muito sobre a democracia nas latitudes americanas. E sobre suas distorções também.

“Robin Hood da informação”

A história de Assange já é bem contada. O hacker rebelde ganhou fama ao invadir os computadores do mundo diplomático e publicar comunicados embaraçosos aos EUA e seus aliados. Assange prestou um serviço importante ao expor segredos sujos, como um ataque militar americano a civis indefesos em Bagdá, fato abafado pelo Pentágono. Mas também tornou-se caixa sonora de fofocas e lorotas, trocas que fazem parte da conversa rotineira entre diplomatas, mas não necessariamente da diplomacia de governos.

A militância digital de Assange, é bom lembrar, nada tem a ver com sua folha corrida. Ele é procurado pela Justiça da Suécia, onde é acusado de estupro e assédio sexual contra duas mulheres. Mas, com seu cacife de herói da resistência, conseguiu se recauchutar como perseguido político. Jogou-se à mercê dos equatorianos como suposta vítima de uma caça às bruxas americana, com os suecos no papel de serviçais dos ianques.

Casou com a agenda de Correa, sócio da Aliança Bolivariana das Américas, razão social do neossocialista latino e do antiamericanismo, requentado para o século 21. Com uma canetada, Correa abraçou um militante “da liberdade”, provocou três poderes gringos e ainda posou de protetor da imprensa livre. Com o gesto de acolher o “Robin Hood da informação”, ele ainda colheu aplausos esdrúxulos, inclusive do regime cubano, craque em sufocar dissidências da imprensa nativa.

Um retrato fiel

Emilio Palacio não se impressionou. Embora tenha sido perdoado por Correa, sua condenação na Justiça equatoriana foi mantida, um recado que equivale a uma “espada de Dâmocles acima da sua cabeça”, segundo sua advogada, Sandra Grossman.

“A concessão de asilo é um reconhecimento claro dos EUA de que Palacio é perseguido pelo governo do Equador, um dos poucos países da região que ainda criminaliza expressões que ofendam autoridades públicas”, disse ela. Ignorado pelos defensores de Assange, o caso de Palacio é um retrato fiel do Equador, país que abraça o foguetório alheio enquanto centra fogo no mensageiro de casa.

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[Mac Margolis é colunista do Estado de S.Paulo, correspondente da Newsweek e edita o site brazilinfocus.com]