Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Nem manda lembranças

O estardalhaço midiático produzido pela prisão do cidadão Antônio Francisco Bonfim Lopes, em novembro de 2011, levava a crer que seu destino seria, nas semanas e meses seguintes, objeto de algum interesse midiático. Antonio Francisco é Nem, da Rocinha.

O que se soube é que ele foi levado para um “presídio de segurança máxima” federal no Mato Grosso do Sul e ficou por lá. Em março, ele e Anderson Rosa Mendonça, vulgo Coelho, foram levados ao Rio de Janeiro para uma “audiência de instrução e julgamento”.

Em agosto, o chefão da Rocinha foi absolvido da acusação de tentar subornar policiais militares para evitar sua prisão. Foram condenados dois advogados que estavam com ele quando tentava furar o cerco que lhe haviam feito: os causídicos vão prestar algum tipo de serviço comunitário.

Notícias de MS

No domingo (16/9), o Extra deu notícias de Nem, em reportagem sobre o assassinato do soldado da PM Diego Bruno Barbosa Henriques na favela da Rocinha, na quinta-feira (13/9). A informação é da polícia, transmitida pelo repórter Paulo Carvalho, sob o título “Morro vive uma guerra”. Diz que o conflito dura meses. Envolve dois bandidos ligados ao traficante Nem:

“(…) de um lado está Rodrigo Belo Ferreira, o Rodrigão, que assumiu a parte baixa da favela. Do outro, o traficante Zork, que havia ficado com a parte alta. As ameaças ficaram iminentes depois que Nem, de dentro da cadeia, teria repassado ordens para que Zork abandonasse a favela. O motivo: ele teria afrontado Danúbia de Souza Rangel, a mulher de Nem.” Etc.

A instalação de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora, na taxonomia do marketing político-eleitoral), deve ocorrer até o fim do mês. Desde novembro, a Rocinha permanece “ocupada” (palavra do vocabulário bélico) pelo Bope (Operações Especiais), por policiais da tropa de choque e do 23º batalhão da PM.

Interesses envolvidos na venda de drogas se misturam na Rocinha com interesses na conquista (em alguns casos, compra) de votos. Tudo sob o empenho do governo fluminense e da prefeitura carioca em criar um clima de tranquilidade, ainda que sob as solas de coturnos, até a Copa do Mundo e a Olimpíada. Eventos que, como se sabe, movimentam grossas somas de dinheiro.

Antiexemplo paulista

Mas, como agora se ficou sabendo, é necessário obter a aquiescência de Nem. O governo fluminense poderia imitar o paulista e mandar uma delegação ao “presídio de segurança máxima” negociar uma trégua com Nem. Em nome da Copa e da Olimpíada. Quem sabe Nem, patrioticamente, se sensibiliza com o argumento?

O problema seria, depois, haver-se com as consequências da negociação.

Em São Paulo, o acordo foi estabelecido com Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo Marcola, chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital, chamado de “partido” por seus integrantes), em 14 de maio de 2006, na “penitenciária de segurança máxima” estadual de Presidente Bernardes. Até o início de 2012, “funcionou”, isto é, o PCC não criou muitos problemas e teve liberdade para comandar dezenas de cadeias e dezenas de milhares de “biqueiras”, o equivalente às “bocas de fumo” cariocas, espalhadas pelo território paulista.

Mas, devido a alguma causa ainda não estabelecida com precisão, o pacto deixou de “funcionar” no início do ano, e de lá para cá 69 policiais foram mortos na Grande São Paulo. Nem todos executados pelo PCC em represália a execuções promovidas pela polícia, mas a maioria, sim.

Dizer que autoridades das esferas federal, estadual ou municipal têm uma política de segurança pública, como faz a mídia jornalística, é, na quase totalidade dos casos, apenas uma contribuição voluntária para reduzir a sensação de insegurança da população. Algo até passível de se classificar como meritório, se não fosse mentira e se essa mentira não contracenasse com o sensacionalismo manipulado para conquistar audiências, sob o argumento cínico, nada cívico, de que “o povo gosta”.