Uma lei promovida pelo governo de Rafael Correa ameaça “amordaçar” a cobertura jornalística das eleições presidenciais de fevereiro no Equador e provoca nova onda de críticas ao mandatário em permanente diatribe com jornais e TVs do país. O artigo 203 do “Código da Democracia”, aprovado em fevereiro, estabelece que 90 dias antes da votação – a partir de 17 de novembro –, os meios de comunicação devem “se abster de fazer promoção direta ou indireta, seja por meio de reportagens especiais ou qualquer outra forma de mensagem que tenda a incidir a favor ou contra determinado candidato”.
A norma é vista como ameaça por jornais, associações de jornalistas e ONGs, que tentam barrá-la na Justiça. Para os críticos, o texto é vago o suficiente para permitir interpretações políticas que afetarão a cobertura eleitoral. Em fevereiro serão eleitos presidente, vice e 137 postos da Assembleia Nacional. Com 44% das intenções de voto em pesquisa recente, Correa é favorito à reeleição, distante 30 pontos dos adversários.
“Se o código vigorar da maneira em que está, tende a ser uma mordaça para a cobertura”, disse à Folha Carlos Lauría, da ONG Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ, na sigla em inglês).
Prêmio da SIP
O advogado Cesar Ricaurte, da equatoriana Fundamedios, de monitoramento de mídia, é pessimista. “Diria que será impossível fazer cobertura séria. Equivale a censura prévia”, disse. A Fundamedios é uma das ONGS que questionam a nova lei na Corte Constitucional. “Tenho pouca esperança”, diz Ricaurte, ele próprio pivô de polêmica com Correa. Neste ano, a Presidência usou nove cadeias obrigatórias de rádio e TV para criticar Ricaurte e sua ONG, a quem acusam de ter interesses políticos.
Cerca de 15% do financiamento da ONG vem da Usaid, a agência americana de desenvolvimento. A organização recebe fundos de outras ONGs e da ONU. Ricaurte receberá em outubro em São Paulo o Grande Prêmio de Liberdade de Imprensa da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa).
Oposição não eleita
O “Código da Democracia” é visto com reserva por Orlando Pérez, diretor do jornal El Telégrafo, que pertence ao governo. “O ideal era que tivéssemos uma nova lei de comunicação”, diz ele, em referência a outra norma controversa parada no Legislativo.
Para Correa, o código é necessário para deter abusos de uma oposição “não eleita”, em referência aos jornais e TVs privados, na maioria duros críticos do governo. “[A lei deterá] a promoção descarada que faziam os meios de comunicação para posicionar candidatos que lhes convinham”, disse. Correa afirmou que o principal prejudicado pela lei será ele. “Porque não poderei fazer o enlace [seu programa de rádio e TV semanal].” “Isso a imprensa não diz.”
Nos últimos anos, o presidente moveu ações contra jornalistas e jornais, a mais célebre contra El Universo, reação a texto que o chamou de “ditador”. O autor do artigo recebeu em agosto asilo nos EUA, dias depois de Quito conceder o mesmo ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange.
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[Flávia Marreiro, da Folha de S.Paulo]