O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Gustavo Mohme, defendeu ontem que uma missão da SIP seja enviada à Argentina para se solidarizar com os donos de veículos de comunicação e protestar contra a entrada em vigor da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, conhecida como Lei de Meios, aprovada em 2009. Prevista para 7 de dezembro, a nova legislação obriga o “Grupo Clarín”, acusado pela presidente Cristina Kirchner de fazer oposição ao governo, a se desfazer de algumas de suas concessões.
As ameaças à liberdade de imprensa na Argentina foram as que ganharam maior destaque na apresentação dos relatórios da situação vivida por grupos de mídia e jornalistas em todos os países americanos, durante a 68ª Assembleia Geral da SIP, que acontece até amanhã no Hotel Renaissance, em São Paulo. Foi relatado um aumento da hostilidade à imprensa nos últimos seis meses, agressões a repórteres e entraves ao acesso a informações de interesse público.
– Trata-se de uma confrontação deliberada de um governo a um grupo midiático, buscando limitar sua atuação e garantir que prevaleça apenas uma imprensa oficiosa – diz Mohme.
Principal preocupação da SIP
No relatório sobre a Argentina há um caso semelhante ao que derrubou o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, no governo Lula, em 2006, mas que não teria resultado em qualquer providência. Segundo a SIP, Kirchner usou a cadeia nacional de rádio e TV para acusar um corretor imobiliário de evasão fiscal depois de se referir a declarações que ele havia feito ao jornal “Clarín” sobre dificuldades econômicas no seu setor. Há reclamação pelo fato de a presidente não dar entrevistas e discriminação na distribuição das verbas de publicidade.
O envio da missão à Argentina deverá ser aprovado amanhã, na reunião final da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP. Segundo o dirigente, a criação de instrumentos e leis com objetivo de limitar a atuação dos meios é a principal fonte de preocupação atual da entidade, ao lado de problemas como a violência concreta contra jornalistas e o uso da publicidade oficial para manter uma imprensa pouco crítica.
– Todo governo pode ter certa simpatia por setores da imprensa, mas estamos falando de uma situação diferente, escandalosa. Estamos falando de investimentos pesados realizados unicamente para criar e manter uma imprensa oficiosa – afirmou Mohme, explicando que esta situação se repete, além da Argentina, na Venezuela e no Equador.
A vice-presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) no Brasil, Judith Brito, alertou para a ocorrência de 28 casos de violência contra jornalistas no país entre 26 de março e 7 de outubro. A dirigente destacou a censura ao jornal “O Estado de S.Paulo”, desde julho de 2009 proibido de veicular informações sobre a Operação Boi de Barrica, conduzida pela Polícia Federal. Citou as ameaças ao repórter da “Folha de S.Paulo” André Caramante, que deixou o país após escrever matéria sobre o ex-comandante da Rota, grupo de elite da polícia paulista, Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, eleito recentemente vereador pela cidade de São Paulo.
O editor de Opinião do Globo, Aluizio Maranhão, chamou atenção para as agressões cometidas contra a imprensa pelo crime organizado. Ele citou os casos de México e Colômbia, onde jornalistas foram mortos e sequestrados pelo narcotráfico e a guerrilha. No Brasil, lembrou, há também sinais desse tipo de violência, como os casos de ameaça de milicianos.
O México foi um dos países que mais sofreu com a violência do narcotráfico. Segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos do país (CNDH), 82 jornalistas foram mortos e 16 estão desaparecidos desde 2000. Segundo a entidade 70% das agressões permanecem sem punição. A maioria dos casos ocorre no interior do país, segundo Andrea Miranda, editora-geral do jornal “El Debate,” da cidade de Culiacán.
O relatório menciona também a lei de desacato e injúria no Equador e dificuldades de acesso a informações sobre documentação pública e as ações judiciais em Guantánamo, nos EUA. Na Venezuela houve elogios ao clima das eleições, mas persistem ameaças contra jornalistas.
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[Thiago Herdy e Paulo Justus, de O Globo]