Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governos ameaçam imprensa

Quase dois terços (63%) dos diretores de veículos de comunicação da América Latina consideram governos ou grupos políticos as maiores fontes de ameaça à liberdade de imprensa, aponta pesquisa divulgada ontem na 68ª Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que acaba hoje em São Paulo. Pelo menos um terço deles afirma que os governos atuam para controlar os meios, e 34% reclamam de iniciativas que restringiram a liberdade de expressão nos últimos cinco anos, como leis de controle de conteúdo e manipulação da publicidade oficial.

A sondagem foi realizada nos últimos três meses junto a 101 representantes de empresas jornalísticas de 14 países, a maioria deles na América Latina. Inclui dados de regiões que vivem distintos contextos de ameaça à liberdade de informação, e que permitem que se conheça pela primeira vez a dimensão do problema a partir do ponto de vista dos líderes de jornais, revistas e emissoras que integram a SIP. A percepção de que há ameaça à liberdade de imprensa na Argentina foi citada por 62% dos entrevistados, percentual que só perde para as menções à Venezuela (82%). Em seguida vêm: Cuba (60%), Equador (46%), Bolívia (41%) e México (39%). A pesquisa não citou o percentual do Brasil, por entender que não é onde a liberdade de imprensa está mais ameaçada nas Américas.

Para o jornalista Marcelo Beraba, diretor da sucursal do jornal O Estado de S. Paulo no Rio, há motivos para crer que se trata de um desafio crescente e intercontinental. “Há violência contra jornalistas, redações incendiadas, repórteres mortos a tiros em praça pública, ameaças a proprietários de jornais, revistas e emissoras. O diagnóstico é preocupante, e a impunidade é o seu principal combustível”, afirma o jornalista, responsável pela compilação e apresentação dos dados.

A morosidade da Justiça é apontada por 36% dos líderes dos veículos como responsável pela impunidade em crimes contra jornalistas. A falta de ação das autoridades foi citada por 22% dos entrevistados e 9% citaram o despreparo ou a conivência da polícia.

Mortes de jornalistas

A ação de organizações criminosas nacionais e locais é a segunda fonte de violência mais citada (por 55%), depois de políticos e governos. Nos últimos cinco anos, 38% registraram ter sofrido ameaças e ataques, ou tiveram jornalistas mortos. Um terço adotou regras de segurança para seus profissionais e 8% mantêm jornalistas sob proteção. Mas, para 65% dos líderes, a opinião pública defende a importância da liberdade de imprensa.

O diretor de redação do Clarín, da Argentina, Ricardo Kirschbaum, denunciou a ação do governo de Cristina Kirchner contra a mídia e o ataque ao jornal. Para ele, recursos oficiais são usados contra a credibilidade de jornalistas: “Não estamos à frente de um aparato de censura clássico, mas uma outra estratégia que combina recursos distintos. Por exemplo, a destruição da reputação de jornalistas críticos, apresentando-os como meros reprodutores de interesses empresariais ou pessoais. Não se debate a veracidade da informação, se desqualifica o seu mensageiro.” O diretor do jornal argentino La Nación, Fernán Saguier, disse que a perseguição à imprensa argentina se dá tanto por meios econômicos quanto políticos. Segundo ele, o governo controla os jornais por meio de uma imensa verba de publicidade oficial, que só vai para os meios que são favoráveis.

A preocupação sobre o futuro da liberdade de imprensa no continente americano foi o principal tema da abertura da assembleia. Casos graves de intervenção do Estado na mídia, como os que ocorrem em Argentina e Venezuela, foram citados por Milton Coleman, presidente da SIP e editor-chefe do Washington Post, e pelo presidente do comitê anfitrião, Júlio César de Mesquita, de O Estado de S. Paulo. “A América do Norte foi a principal financiadora da liberdade de imprensa, agora a América Latina precisa também carregar essa responsabilidade”, disse Coleman.

***

[Thiago Herdy, Paulo Justus e Tatiana Farah, de O Globo]