É positiva a medida adotada pelo CNJ, no dia 13 de novembro, de instaurar o Fórum do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa, encarregado de “fazer o levantamento estatístico das ações judiciais que tratem das relações de imprensa e elaborar estudos sobre os modelos de atuação da magistratura em países democráticos”. Trata-se de um órgão para acompanhar ações que digam respeito à imprensa no Poder Judiciário – e não, como seria do agrado da mentalidade autoritária, de uma comissão estatal para monitorar a imprensa. Nos termos do próprio CNJ, “a ideia é que esses estudos possam facilitar a compreensão de conflitos que digam respeito à atuação da imprensa”. Se essa linha prevalecer, os magistrados brasileiros só terão a ganhar com mais essa inovação. A democracia brasileira também.
O ministro Carlos Ayres Britto, autor da proposta, tem autoridade na matéria. Entre todos os seus pares na Corte Suprema, Britto é o que tem mais domínio do assunto, destacando-se como o principal defensor da liberdade de imprensa no período recente. No dia 6 de novembro de 2009, o Diário da Justiça (que é o diário oficial do Judiciário) trouxe o acórdão redigido por ele, que fundamenta a decisão que declarou a inconstitucionalidade da antiga Lei de Imprensa (Lei Federal n.º 5.250, de 9 de fevereiro de 1967). Nesse documento, que é histórico, sem exagero, podemos ler o que deveria ser a diretriz do novo órgão do CNJ:
“O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada.”
A despeito desse acórdão, ainda hoje há veículos jornalísticos brasileiros que se veem obrigados a conviver com decisões judiciais que impõem a censura prévia. Este jornal, O Estado de S. Paulo, é vítima de uma decisão desse tipo desde 2009, quando ficou impedido de publicar reportagens sobre a operação Boi Barrica, da Polícia Federal. O veto judicial que se abateu sobre o Estadão ainda aguarda julgamento no Supremo. Dezenas de pequenos jornais e blogs brasileiros padecem sob a mesma mordaça. Embora, em sua grande maioria, essas decisões venham sendo revogadas nas instâncias superiores, o fantasma da censura “judicialmente intentada” ainda paira como um constrangimento contra o direito do cidadão de ser informado.
Se o Fórum do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa espantar esse fantasma e contribuir para dar aos magistrados brasileiros uma compreensão mais profunda, clara e contemporânea sobre a liberdade de imprensa e o direito à informação, direitos que, na visão de Ayres Britto, têm precedência sobre vários outros, terá cumprido um papel vital para o amadurecimento das instituições brasileiras.
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[Eugênio Bucci é jornalista, professor da ESPM e da ECA-USP]