Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O monstro acordou

A imposição de censura à imprensa é um instrumento típico do arsenal de recursos usado por regimes de força – ou seja, ditaduras com variados graus de limitações à liberdade de pensamento e ação dos cidadãos. Em todos os regimes democráticos de boa estrutura há limites para a manifestação de opinião, visando a impedir e punir três tipos de abusos bem conhecidos: injúria, difamação e calúnia. Nada além disso, obviamente. Mas é realmente espantoso que num país como o nosso, com um regime democrático firmemente estabelecido, descubra-se que juízes, supostamente guardiães das liberdades vitais para o sistema político, recorram à censura dos meios de comunicação.

Devemos à Associação Nacional de Jornais a descoberta – um tanto tardia – que o velho monstro despertou entre nós. Um levantamento da ANJ revela que em 2008 foram seis casos; no ano seguinte, dez; depois, respectivamente, 16, 14 e 11.

Um caso típico aconteceu em Vitória, no Espírito Santo: a juíza Ana Cláudia Soares determinou ao jornal eletrônico Século Diário que eliminasse editoriais e notícias sobre ações de um promotor de Justiça. Há registro de outros episódios recentes, em Macaé, no estado do Rio, e no município gaúcho de Cachoeira do Sul. Ninguém prestou atenção porque foram decisões de efeito local. O Supremo Tribunal Federal criou, em novembro do ano passado, no Conselho Nacional de Justiça, por iniciativa do hoje aposentado ministro Carlos Ayres Britto, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa. Registre-se que ele foi apenas criado: ainda não funciona.

Quem se porta mal é castigado

E esse organismo não terá poderes de impedir o gosto de juízes pela censura: vai apenas examinar casos e discutir o problema. O próprio Ayres Britto já disse que o fórum não castigará qualquer juiz: sua principal atividade será estimular a discussão do problema.

Um porta-voz da ANJ, que terá assento no fórum, disse esperar que os juízes de primeira instância entendam o recado implícito na criação do órgão. Mas talvez seja excesso de otimismo: pode-se considerar provável que juízes que não levam em conta o direito universal à liberdade de expressão também ignorem opiniões que não estejam acompanhadas por alguma forma de punição.

Afinal de contas, quem se porta mal e não é castigado muito raramente muda de comportamento. Isso vale tanto para crianças como para adultos.

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[Luiz Garcia é colunista de O Globo]