Continua cercado de mistério o assassinato do jornalista mineiro Rodrigo Neto de Faria, de 38 anos, executado a tiros no dia 8 de março em Ipatinga, a 220 km de Belo Horizonte, na região do Vale do Aço. Rodrigo saía de um churrasquinho pouco depois da meia-noite quando foi cercado por dois homens utilizando uma moto. Aquele que estava na garupa sacou um revólver calibre 38 e o descarregou no repórter, que foi atingido na cabeça, peito e costas. Morreu a caminho do hospital.
Rodrigo era casado e tinha um filho. A família garante que ele não tinha inimigos fora do trabalho – era apresentador de um programa policial na Rádio Vanguardae repórter do jornalO Vale do Aço,daquela cidade –, mas a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Assembleia Legislativa de MG revela que o repórter sabia de suposto envolvimento da polícia com grupos de justiceiros na região. Os criminosos não foram identificados e a polícia está à caça de motivação para o crime.
A polícia deverá ouvir nas próximas horas pelo menos duas testemunhas que presenciaram o crime, entre as quais um amigo do repórter que conversava com ele quando os criminosos chegaram. Ouvida pela reportagem do jornal O Vale do Aço, essa testemunha, que não quis se identificar, revelou que os criminosos aguardaram Rodrigo se despedir do dono do churrasquinho e se dirigir para o carro. “Ele (Rodrigo) desativou o alarme do veículo e abriu a porta. Foi quando vi a moto se aproximando. Achei estranho e até pensei que fosse uma brincadeira de algum amigo, uma brincadeira muito sem graça. Só esta cena já me assustou. Eu estava na frente do carro quando vi o carona sacar a arma, preta, com a coronha de madeira. Eles nem desceram da moto, só o piloto apoiou o pé no chão”, contou.
Militares por perto
Nesse instante, o amigo do repórter diz que pulou para se esconder atrás do carro, entre a calçada e o veículo, já que também estava na linha de tiro. “Enquanto caía, vi o fogo do primeiro tiro. Depois não vi mais nada, só queria me esconder. Quando me levantei não sabia se os caras na moto tinham ido embora ou não. Só abri a porta do carona e vi o Rodrigo caído dentro do carro. Coloquei a mão sob a cabeça dele e senti o sangue quente. Uma parte do miolo da cabeça estava para fora. Não imaginava que fosse possível ele sobreviver àquilo”, relatou.
Um homem, que estava a aproximadamente 40 metros do carro em que Rodrigo foi baleado, viu toda a cena do crime e deverá também ser ouvido pela polícia, que não tem como produzir o retrato falado dos criminosos, pois eles estavam de capacetes. A polícia está pesquisando se a cena do crime foi gravada por alguma câmera de segurança do comércio local.
Outro dado importante fornecido pelas testemunhas é de que os criminosos somente demoraram a agir porque havia militares por perto quando o repórter estava no Churrasquinho do Baiano, cujo proprietário também deverá ser ouvido. Baiano ajudou a socorrer a vítima que frequentava o seu estabelecimento com frequência e essa rotina, segundo a polícia, pode ter colaborado para o planejamento do crime.
12 assassinatos em 14 meses
Em nota à imprensa, o governador de Minas, Antônio Anastasia, e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais lamentaram a morte do jornalista. O governador garantiu que a Polícia Civil não vai mediar esforços para esclarecer a autoria do crime. Já o sindicato atribuiu o crime a “mais um atentado contra a liberdade de imprensa”. O presidente da CDH, deputado Durval Ângelo, também cobrou urgência nas investigações do crime.
O parlamentar disse que recebera denúncias do jornalista sobre o suposto envolvimento de policiais em crimes conhecidos na região. Entre os denunciados estão militares do 14º BPM, aquartelado em Ipatinga, que teriam participação em chacinas.
A execução do repórter no interior de Minas dispara o alerta vermelho da categoria e dos organismos de defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos no Brasil. Afinal, este é o primeiro jornalista brasileiro a ser executado em 2013, o 12º nos últimos 14 meses e o dobro de óbitos dos últimos quatro anos. O total de jornalistas assassinados desde 2008 no Brasil chega a 23, segundo dados da Campanha Emblema para a Imprensa (PEC, na sigla em inglês), que defende mais proteção a jornalistas em locais de risco.
Lista de vítimas no Brasil
Diz a entidade, com sede em Genebra, que 2012 marcou um número recorde de assassinatos de jornalistas pelo mundo. No total, foram 139 mortes, em 29 países. O número mundial é 30% superior ao de 2011 e representa cerca de duas vítimas a cada semana. Na avaliação da entidade, este foi o ano mais sangrento para os jornalistas desde a Segunda Guerra Mundial. Em cinco anos, foram 569 jornalistas assassinados no mundo. Filipinas e México lideram a tabela.
O conflito na Síria pesou na conta geral. Pelo menos 36 jornalistas foram mortos no país, que vive uma guerra civil. Desses, 13 eram estrangeiros. Na Somália, o número chegou a 19. Já no Paquistão, 12 jornalistas perderam suas vidas. O México, em meio a uma guerra contra o narcotráfico, se iguala aos números do Brasil.
A lista de vítimas no país (sem o nome de Rodrigo Neto) inclui os jornalistas Eduardo Carvalho (Última Hora, MS), Luis Henrique Georges e Paulo Roberto Cardoso Rodrigues (Jornal da Praça, MT), Anderson Leandro da Silva (Quem TV, PR), Edmilson de Souza (Rádio Princesa da Serra FM, SE), Valerio Luiz de Oliveira (Rádio Jornal 8820 AM, GO), Decio Sá (O Estado do Maranhão, MA), Divino Aparecido Carvalho (Rádio Cultura AM, PR), Onei de Moura (Costa Oeste, PR), Mario Randolfo Marques Lopes (Vassouras na Net, RJ) e Laecio de Souza (Rádio Sucesso FM, BA). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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José Cleves é jornalista