O principal alvo da ira do presidente Rafael Correa, do Equador, que lidera a campanha para reformar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, é a Relatoria Especial de Liberdade de Expressão.
As propostas que encaminhou, apoiadas pela Venezuela e países que formam a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), retiram a autonomia financeira da relatoria e bloqueiam sua capacidade de monitorar e cobrar medidas dos países-membros da OEA onde ocorrem ameaças e violações.
Criada pela Organização dos Estados Americanos em 1997 no âmbito da CIDH, a Relatoria Especial assessora a comissão em temas relativos à liberdade de pensamento e de expressão, faz um acompanhamento do estado de liberdade de expressão de todos os países das Américas, emite pronunciamentos especiais quando identifica problemas sérios e produz um Informe Anual com comentários sobre cada país.
Estes pronunciamentos, que muitas vezes são advertências ou cobranças, e o Informe Anual incomodam vários governos e foram os pretextos para a campanha de Correa contra a Relatoria.
O governo equatoriano foi advertido algumas vezes por não respeitar princípios da liberdade de expressão. Quito reagiu fortemente quando, em 2011, a Relatoria e a CIDH questionaram a ação judicial impetrada pelo presidente e a sentença que condenou os diretores do jornal El Universo e o colunista Emilio Palacio a 3 anos de prisão e uma multa de US$ 40 milhões. Palacio, colunista político, havia chamado Correa de ditador.
No seu informe do ano passado, a Relatoria questionou o governo do Equador por este procedimento e pelo uso frequente dos meios de comunicação públicos e privados para atacar empresas jornalísticas e jornalistas. Em mais de uma ocasião, Correa se referiu publicamente aos meios que lhe fazem críticas como “sicários de tinta”.
Em relação às críticas e cobranças da CIDH e da Relatoria Especial, Correa considera que violam a soberania do país e que estão a serviço dos EUA e de ONGs que defendem os direitos humanos. Ele considera que a CIDH e a Relatoria não têm competência para fiscalizar ou questionar os países da OEA e que a prioridade destas instituições deveria ser a promoção e difusão dos conceitos de direitos humanos.
O esforço do Equador para limitar a capacidade de ações da CIDH e da Relatoria pode ser avaliado pelos violentos ataques de Correa e pela intensa ação diplomática ao longo dos dois anos em que se discute a reforma.
Na semana passada, Correa recebeu em Guayaquil representantes de 18 países, incluindo o Brasil, para buscar apoio às suas propostas na Assembleia Extraordinária da OEA, marcada para o dia 22, que decidirá os rumos da reforma da CIDH.
No discurso de abertura, ele voltou a desqualificar o trabalho da CIDH de defesa dos direitos humanos: “A CIDH está absolutamente dominada por países hegemônicos e pelos interesses do grande capital, particularmente o capital por trás dos negócios dedicados à comunicação. De fato, é análogo ao neoliberalismo no âmbito dos direitos”.
Financiamento
Uma das principais medidas propostas pelo Equador atinge diretamente o orçamento da CIDH e o da Relatoria Especial de Liberdade de Expressão. Hoje, elas não recebem recursos suficientes dos países membros da OEA e complementam seus orçamentos com dotações de países europeus, ONGs e fundações que apoiam projetos específicos de controle dos direitos humanos.
No caso da Relatoria Especial de Liberdade de Expressão, a mais ativa, mais da metade do seu orçamento vem de doações.
O Equador quer acabar com estas fontes complementares de recursos. Para evitar o que considera influência dos EUA dos países europeus e de ONGs, defende que as instituições deveriam ser bancadas exclusivamente pelos países-membros do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O problema é que estes países praticamente não contribuem e os repasses regulares da OEA são insuficientes.
Assim, criou-se uma situação de fato esdrúxula. A maior parte dos recursos destinados a promover os direitos humanos e monitorar as violações nos 34 países do continente provém de países como Azerbaijão, Dinamarca, Finlândia e Holanda, de países que não se submetem ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, como os EUA, e de ONGs, como a Fundação Sueca para os Direitos Humanos.
A proposta do Equador, se aprovada, asfixiará a CIDH e a Relatoria. Países como Brasil defendem uma proposta intermediária, que acabou prevalecendo no encontro de Guayaquil: os países que aderiram ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos têm de aumentar seus repasses para que sejam suficientes na sustentação das instituições.
Como isso não vai acontecer tão cedo, a resolução admite que sejam aceitas as contribuições voluntárias, mas com uma ressalva: que elas não sejam direcionadas a projetos específicos, mas distribuídas igualmente entre as oito relatorias.
Essa ressalva afetará a Relatoria de liberdade de expressão. Ela é hoje praticamente autossustentável porque consegue apresentar projetos próprios e captar recursos complementares. Por isso é tão ativa e sua autonomia incomoda tanto alguns países.
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Marcelo Beraba, do Estado de S.Paulo