Contribuí hoje [terça-feira, 12/3/2013] com R$ 25.116,75 para aumentar a fortuna dos sucessores e herdeiros do empresário Cecílio do Rego Almeida. Esse foi o valor apurado da indenização que a justiça do Pará me obrigou a pagar ao dono de uma das maiores empreiteiras do Brasil, a Construtora C. R. Almeida, com sede no Paraná.
No ano 2000 ele cobrou a reparação do dano moral que alegou ter sofrido porque eu o chamei de pirata fundiário, em artigo publicado no meu Jornal Pessoal, um quinzenário alternativo que escrevo sozinho desde 1987, em Belém. Na época, cobrou R$ 4 mil pela sua honra ofendida. O valor final, de R$ 25 mil, decorreu da correção monetária e dos acréscimos do processo.
Eu podia continuar a recorrer, como fiz ao longo de mais de 10 anos. O último recurso, do qual podia lançar mão, era uma ação rescisória, que praticamente reiniciaria o processo. Mas achei que o cinismo, a injustiça e o propósito deliberado de me atingir exigiam uma resposta mais contundente, à altura do surrealismo da situação. Decidi não recorrer mais.
Não sei se existem casos semelhantes nos anais do judiciário brasileiro. Compareci espontaneamente ao foro e pedi para pagar a indenização. O cálculo inicial apresentado foi excessivo. Contestei-o. O juiz substituto da 3ª vara cível de Belém concordou com meu questionamento e deferiu meu cálculo. Os herdeiros de C. R. Almeida não se manifestaram.
Eles só se habilitaram nos autos mais de dois anos depois da morte do patriarca, que ocorreu em 2008, já fora do prazo, renovado abusivamente pela justiça. O juiz que me condenou atuou como substituto na vara pela qual o processo tramitava, em 2005, por um único dia, enquanto a titular viajava para fazer um curso de três dias no Rio de Janeiro.
Amílcar Guimarães levou para sua casa um único dos processos acumulados na vara. Era uma sexta-feira. Na segunda-feira seguinte a titular reassumiu a função. Só um dia depois, já na terça-feira, o substituto devolveu o processo, de mais de 400 páginas, com sua sentença. Como ela não tinha mais validade, datou-a como sendo da sexta-feira anterior, sem se importar com o registro exato feito no acompanhamento digital, que serviu de prova da fraude: o exercício ilegal da jurisdição sobre o processo.
Nova rodada
Não consegui anular essa decisão, apesar de todos os recursos que utilizei. Não consegui sequer a punição do juiz fraudador, que confessou, por escrito, seu interesse pessoal na causa: condenar-me, independentemente das minhas alegações de defesa. A sentença foi mantida no tribunal. O presidente do Superior Tribunal de Justiça negou meu último recurso, alegando falha formal, sem entrar no mérito.
Toda a suposta ofensa tinha origem na expressão pirata fundiária. Foi a metáfora que encontrei para definir o que fez o empresário Cecílio do Rego Almeida. Ele tentou se tornar dono de uma enorme área de terras, variando entre cinco milhões e sete milhões de hectares, numa das regiões mais cobiçadas do Pará, rica em madeira de lei, minérios e biodiversidade. Se a área fosse realmente dele, Cecílio teria sob seus domínios extensão equivalente à do 21º maior dentre os 27 Estados da federação brasileira, ou 7% do Pará, que é o segundo mais extenso do país.
Provei documentalmente a apropriação ilícita das terras, que pertencem ao patrimônio pú8blico. Minhas provas serviram de base para uma ação que o Ministério Público Federal propôs contra a famosa grilagem, a maior do mundo, Graças a essa iniciativa, a competência pelo processamento da ação foi deslocada da justiça estadual, que sempre deu ganho de causa ao grileiro.
A justiça federal, que assumiu o encargo, reconheceu a grilagem e mandou cancelar os registros imobiliários em nome do grileiro. Todos os funcionários do cartório de Altamira, onde a fraude foi praticada, acabaram punidos com demissão a bem do serviço público. Cecílio só não foi denunciado porque já tinha mais de 70 anos de idade e não se tratava de flagrante. Os demais envolvidos no golpe foram processados.
Apesar de tudo isso, minha condenação permaneceu na justiça estadual, justamente a que devia se preocupar com a lesão ao patrimônio fundiário do Pará. Quando vi meu recurso ser indeferido por mera formalidade, que podia ser sanada ou ser ignorada, já que a questão estava suficientemente apresentada nos autos para ser julgada, lembrei-me de uma capa de O Estado de S. Paulo de 1973, 40 anos atrás.
Os censores do governo militar vetaram notícia sobre a renúncia do ministro da agricultura, Cirne Lima, em protesto contra medidas inspiradas por seu colega da Fazenda, Delfim Netto. No lugar da matéria entrou um anúncio da Rádio Eldorado, que dizia apenas: “agora é samba”.
Achei que no meu caso valia essa reação. Desisti de recorrer. Convoquei amigos e simpatizantes para uma “vaquinha” que se espalhou pelo país. Felizmente conseguimos arrecadar o suficiente para pagar a indenização absurda e aviltante. Quitado o encargo, convido meus leitores a participarem de uma nova rodada, agora para as manifestações daqueles que também acham que a situação merece uma resposta. Este é meu convite: vamos mostrar à justiça do Pará que se ela reprime a verdade, nós a exaltamos. E estamos dispostos a pagar qualquer preço para fazê-la prevalecer sobre o absurdo do poder absoluto.
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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)