Durante a semana passada, sem que quase ninguém da sociedade civil percebesse, projetos de lei que impactariam a maneira como a internet funciona no Brasil passaram pela Câmara dos Deputados e quase foram votados pelos parlamentares.
Eram dois: o PL 4060/2012, que trata de dados pessoais, e o 4.906/2001, que estabelece regras para o e-commerce. O primeiro poderia, por exemplo, permitir às empresas coletarem dados pessoais sem que o cidadão optasse por isso (ou seja, estabeleceria o “opt-out”: as empresas coletariam por regra e o cidadão que teria de pedir para sair) e o segundo poderia até estabelecer um mecanismo de retirada de conteúdo de sites sem ordem judicial.
Além do conteúdo questionável, eram projetos redundantes, porque os dois temas têm regulação específica e já foram exaustivamente debatidos. Sobre dados pessoais, o governo se prepara para enviar à Câmara dos Deputados o projeto de lei que definirá como as empresas lidam com as informações e criará um Conselho Nacional de Proteção de Dados. E a presidente Dilma Rousseff editou na semana retrasada o Decreto 7.962/2013, que inclui as empresas de comércio eletrônico nas normas do Código de Defesa do Consumidor e as obriga, por exemplo, a se responsabilizar por informações erradas e prestar assistência técnica.
Depois de uma movimentação de bastidores, os dois projetos caíram. Mas o fato de eles terem passado perto de uma aprovação sem nenhuma discussão prévia merece atenção.
Longe dos holofotes
A regulação da internet é tema de um emaranhado de projetos tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Um levantamento da FGV-Rio feito em 2011 constatou que, só entre os deputados, há 986 menções à palavra “internet” entre os projetos apresentados. No Senado, há 133. Por causa do processo legislativo do Brasil, volta e meia um texto que era de 2001 – caso do PL de e-commerce – volta à pauta, sem que haja uma legislação prévia que defina parâmetros de atuação para empresas e usuários de internet no País.
Enquanto os parlamentares se preparavam para discutir aqueles projetos, o Marco Civil da Internet era debatido a portas fechadas por entidades privadas. O projeto, criado para estabelecer a base legal da internet no País, foi apresentado em 2009, discutido em consulta pública em 2010 e enviado à Câmara em 2011, definindo princípios como a responsabilidade das empresas sobre o conteúdo postado por usuários e a neutralidade de rede.
“O Marco Civil traz importantes previsões, seja porque permitem entender melhor a relação do direito do consumidor com os outros aspectos jurídicos da internet, como liberdade de expressão e privacidade, seja porque contém regras específicas para garantir os direitos, como a possibilidade da defesa judicial de direitos coletivos”, diz Paulo Rená, jurista que foi o gestor do projeto em sua primeira fase, ainda dentro do Ministério da Justiça.
Só que, no ano passado, quando chegou a hora de discutir o projeto na Câmara, dois setores se movimentaram para mudar o texto: as empresas de telecomunicações, que eram contra a neutralidade como estava no projeto, e a indústria de conteúdo, que pedia que houvesse um mecanismo para remover conteúdo pirata sem a necessidade de ordem judicial.
Esses setores que obstruíram a votação no ano passado (foram sete tentativas, sem acordo) eram os que discutiam o texto semana passada. “Temos trabalhado muito internamente”, diz Eduardo Levy, presidente do sindicato que representa as empresas de telecomunicações. “Nós amadurecemos a nossa visão e entendemos que estamos convergindo.”
O Marco Civil não está parado – o debate acontece a plenos pulmões, mas longe dos holofotes. O texto ainda é uma incógnita. Muito se fala sobre o vácuo legislativo que há no País em relação à internet, mas não faltam propostas – o que ainda falta é consenso entre interesses tão difusos.
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Tatiana de Mello Dias, do Estado de S.Paulo