Em 2005 foramregistrados 15.351 casos de estupro (dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Ministério da Justiça e Sistema Único de Saúde). Em 2010 o número subiu para 41.294 e em 2013 os casos vêm aumentando. Só neste ano, o Rio de Janeiro registrou 1.494 novos estupros e atentados ao pudor contra mulheres.
Apesar da quantidade espantosa desse tipo de violência, alguns casos só passaram a ser noticiados e trazidos a público depois do estupro de um casal de estrangeiros no Rio. A preocupação e a celeuma entre os jornalistas e políticos é a imagem do Brasil “lá fora”. O mundo, com seus olhos voltados para os próximos grandes eventos que o país vai sediar, não pode ficar com essa indigesta impressão, ora. Dois desses eventos acontecem no Rio de Janeiro, onde o governador do estado prontamente resolveu a questão: proibidas as vans na zona sul da cidade. Isso basta, turista nenhum vai além dos grandes cartões postais e a população pode continuar convivendo com o que sempre conviveu. Devidamente embaixo dos panos e dos pés descompassados.
Quem freqüenta as redes sociais ainda pôde ver o incômodo com essa a preocupação com a imagem do país da Copa, muito mais do que com a vulnerabilidade das mulheres (quase 90% dos casos de estupro são contra as mulheres), onde ainda havia espanto com esse tipo de postura. Para as/os feministas, fato nada surpreendente.
A culpabilização da vítima não é novidade para os movimentos feministas. Em maio acontece em São Paulo a Marcha das Vadias. A marcha nasceu em 2011, no Canadá, para protestar contra declarações como as do policial Michael Sanguinetti: a culpa do estupro era das roupas de “vadia” das mulheres. Desde então, feministas de vários países se apropriaram do nome como um protesto irônico para dizerem, ainda nos dias de hoje, que têm o direito de usar a roupa que quiserem e o direito, também, à liberdade sexual. Além de São Paulo, a marcha das vadias também é realizada em diversas cidades do Brasil.
Feminismo e má vontade
Na mídia, quando se fala em feminismo, integrantes do Femen são os exemplos mais frequentes, se não os de sempre. Só não se sabe se por falta de informação, ou pura má vontade, já que o próprio grupo se declara “neofeminista”, ou seja, uma nova concepção do feminismo, que rompe com a anterior. O grupo ucraniano, que também tem versão brasileira, diz lutar contra exploração sexual utilizando o corpo como arma, no que elas chamam de “sextremismo”. Nova versão ou não, é incoerente. O Femen proclama liberdade do corpo, mas foge de outra liberdade, algo básico no feminismo: a liberdade de escolha. Em março deste ano elas foram a embaixadas e mesquitas protestar para que as mulheres muçulmanas se libertem do véu. Poderíamos discutir sobre as justificativas no uso dos véus, na violência escondida por trás deles, sim. Mas nada disso foi posto racionalmente em questão, foi apenas mais uma atitude islamofóbica, com a única diferença que dessa vez tinham seios à mostra. Resultado? Publicamente envergonhadas ao escutarem das muçulmanas que elas não precisam ser defendidas.
Já socialmente o feminismo vem tendo seu valor diminuído, por supostamente já termos chegado à igualdade de gêneros. Chegamos? No recente caso de Cleveland (EUA), em que três mulheres foram mantidas presas por 10 anos, nos portais de notícias não era raro ver comentários de que aquela situação seria impossível, de que ninguém é mantido sob cárcere por 10 anos e, possivelmente, as mulheres compactuaram com o sequestrador. A matéria que o Fantástico exibiu domingo (12/5), termina com a frase de Ariel Castro de que elas só estavam ali porque cometeram o erro de entrar no carro de um estranho. O erro era, a exemplo dos casos de estupro, mais uma vez das mulheres. Também recentemente, o sempre equivocado deputado federal Marco Feliciano afirmou no livro Religiões e política; uma análise da atuação dos parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e LGBTs no Brasil, que o estímulo às mulheres para que elas tenham os mesmos direitos que os homens é uma forma de atingir a família e acabar com a sociedade.
Esses são casos mais gritantes, mais óbvios e, consequentemente, mais fáceis de serem combatidos. E quando a discriminação de gênero está tão inserida no modo de enxergar a sociedade que não são facilmente percebidos?
Ah, não, papo de patriarcado? Mas que modo patriarcal é esse se as mulheres já podem votar, trabalhar e fazer tudo que os homens fazem? Elas já não podem gozar, até, da mesma liberdade sexual conferida a eles?
Podem?
Podem, também, andar de transporte público sem serem assediadas? Podem escolher andar como quiserem sem que isso seja interpretado como permissão para, adivinha, serem assediadas? Quando um brinquedo é definido como brinquedo de menino e de menina rompemos as barreiras de gênero? E quando uma mulher precisa pensar duas vezes quando vai fazer um caminho na rua, por riscos de ser estuprada, ela é livre? Ou ela é potencialmente mais um número para as tantas estatísticas relacionadas ao assunto?
Isso quando entram nas estatísticas. Os meios de informação diminuíram seu silêncio, já que ultimamente quase todos os dias podemos ver novos casos de estupro nos portais e telejornais. Mas, ainda assim, só são notícias dos casos coletivos ou em lugares públicos, como em metrôs, ônibus e banheiros. Ou Igrejas.
E mesmo quando trazido a público um escândalo como o do pastor Marcos Pereira não pode ser explorado com as outras “novelas” midiáticas, afinal, ele sempre esteve presente nessa mesma mídia como o salvador dos pobres e drogados. Vai ficar estranho citar os cerca de R$20 mil cobrados para fazer cultos nas favelas se, antes, ele era reverenciado por isso e transitava livremente nos meios de comunicação, artistas e políticos.
Foram anos de orgias –não consensuais – ameaças e abuso da liderança sobre seus seguidores. O que é inicialmente um lugar público, guardou os mesmos segredos que são guardados dentro de casa. Os estupros “caseiros”, aqueles que são cometidos por parentes ou conhecidos da vítima são 65% dos casos. Desses, 89% dos autores são maridos ou ex-maridos.
Qual é a realidade que não precisa daquelas feministas (as de verdade)? Que ela, então, se apresente logo, os “números” estão crescendo.
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Larissa Lima é jornalista