O editor Arnaldo Pantoja foi denunciado pelo crime de extorsão contra o senador José Sarney e sua família, incluindo a também senadora Roseana Sarney e o deputado federal José Sarney Filho, buscando ‘a obtenção de vantagem econômica indevida mediante grave ameaça’. A denúncia foi apresentada, no dia 6 de setembro, perante a 7ª vara penal de Belém, pela promotora de justiça Maria de Nazaré dos Santos Corrêa. Ela constatou a caracterização do delito quando, em 2003, Pantoja sondou ao ex-presidente sobre ‘a possibilidade de negociação’ para que não viesse a publicar um livro, escrito por Paulo Castelo Branco, ex-superintendente do Ibama e atual assessor do prefeito de Belém, Duciomar Costa.
Se chegasse às livrarias, o livro poderia provocar interesse na opinião pública sobre o tema, ‘talvez uma nova CPI da corrupção, perda de mandato ou até mesmo uma desmoralização da família Sarney, já que comprova a evidência de corrupção, envolvendo empresários, assessores, ex-senadores e o ex-ministro José Sarney Filho (quando solicitou 200 mil reais, que foi pago por empresários, para assumir o cargo de superintendente o seu assessor Paulo Castelo)’. No ofício, Arnaldo, que foi do PV, o mesmo partido de Castelo, disse que sua editora estava ‘aberta para qualquer conversa’. Esperaria no máximo uma semana para Sarney manifestar o desejo de ‘algum tipo de negociação’.
O deputado Sarney Filho submeteu a questão à corregedoria da Câmara Federal, que acionou a Polícia Federal. O inquérito da PF concluiu pela existência de crime, mas a justiça federal se considerou incompetente para processar o feito porque não dizia respeito ao então presidente do Senado no exercício de sua função. O processo foi remetido então para a justiça do Pará e distribuído para a 7ª vara penal. Agora Villar Pantoja será citado para comparecer em juízo para a audiência de qualificação e interrogatório. O Ministério Público dispensou a oitiva de testemunhas. ‘pois desnecessária’.
Juiz se declara ao lado do leitor
O juiz Marco Antônio Castelo Branco, diretor do fórum cível de Belém, admite ser factível a previsão, feita no Jornal Pessoal (nº 401), de que as demandas contra o grupo Liberal na justiça venham a se avolumar, em virtude da reação de pessoas ou empresas que argúem direitos violados pela corporação de comunicação. Também reconhece que o poder de influência do império fundado por Romulo Maiorana ainda pode conter essa onda de reação. Mas nega que sua visita à redação do jornal O Liberal possa ser apresentada como indicador dessa influência dentro do poder judiciário. É o que o juiz afirma em carta enviada ao Jornal Pessoal, na qual declara seu único compromisso: ‘com o Leitor e não com o Vetor da notícia’.
A manifestação do titular da 2ª vara de fazenda da capital desfaz a interpretação fomentada – intencionalmente ou não – pela publicação com destaque (ao lado da coluna ‘Repórter 70’) da sua visita. Na foto, o juiz apareceu ao lado de Ronaldo Maiorana e de seu advogado, Jorge Borba. No Diário do Pará, o registro da visita, feita anteriormente, apareceu com discrição. O registro de O Liberal não abordou os projetos que o magistrado está implantando ou pretende criar no fórum cível de Belém, razão da sua iniciativa de ir à imprensa solicitar a colaboração da mídia na divulgação das providências adotadas. Não foi o que conseguiu, aparentemente. Apesar disso, subsiste o valor dos projetos da nova direção para a melhoria do funcionamento do fórum de Belém.
A carta, na íntegra:
Quanto ao comentário contido em seu jornal, edição 401, no segundo parágrafo da página 2, tenho que, de fato, tudo indica que as demandas contra o referido jornal persistirão e se avolumarão, embora exista a possibilidade de que se choquem na parede de influência do Grupo de Comunicação. Entretanto, discordo de que um dos indicadores desta suposta influência tenha sido a foto de cortesia ao O Liberal do signatário, posando ao lado de Ronaldo Maiorana e do advogado Jorge Borba, figura constante no Fórum. Passo a pontuar as razões do erro de inferência:
1.
A primeira delas diz respeito ao fato de que a visita de cortesia a uma redação de qualquer periódico não significa vinculação à linha editorial do referido jornal, pois o objetivo maior da visita é engajar publicamente os projetos a serem executados no Fórum Cível, visando fornecer dados e subsídios para que as cobranças sejam feitas pela população, usuária final dos serviços judiciários;2.
O Diretor do Fórum Cível tem atribuições meramente administrativas, nenhuma influência tendo sobre os processos em tramitação nas Varas Cíveis, dada a autonomia e a competência judicial reservada a cada magistrado;3.
A mesma visita de cortesia foi realizada ao jornal Diário do Pará no dia 6 de setembro de 2007, registrada no dia seguinte no mesmo jornal. Tal fato também não é indicador de influência do referido Grupo de Comunicação, em que pese a companhia do Dr. Jorge Medeiros, também figura constante no Fórum;4.
Resta, em resumo, dizer que, se a assertiva quanto à parede de influência do Grupo de Comunicação pode estar certa, não há dúvida que outros indicadores serão apontados com mais facilidade, clareza e lógica jornalística, excluindo-se, definitivamente, a referida foto no jornal, que nada mais diz, embora possa não parecer, que a Direção do Fórum está comprometida com o Leitor e não com o Vetor da notícia.Chapa-branca
De 30 a 40% das matérias locais publicadas pelos jornais diários de Belém são press-releases. Sem indicação sobre sua origem e sua característica de informação dirigida, essas matérias são apresentadas como se tivessem sido produzidas pela redação. O leitor acaba engolindo gato por lebre. O problema se tornou mais acentuado no Diário do Pará, principalmente depois que o jornal passou a dar apoio incondicional tanto ao governo de Ana Júlia Carepa quanto à prefeitura de Duciomar Costa.
A cobertura das duas administrações públicas passou a ser chapa-branca. Com ligeira diferença de matiz, essa é a cor também da cobertura do grupo Liberal (O Liberal e Amazônia Jornal), que voltou a contar com a mídia do Estado, mais intensa na TV Liberal, e tem tratamento principesco da prefeitura de Belém.
Até quando é de indiscutível interesse público, a ação dos dois ordenadores de despesa dos erários não consegue motivar os jornais a cumprir sua obrigação, de mandar suas próprias equipes acompanhar os atos e produzir textos independentes. As páginas dos jornais se tornaram extensões dos Diários Oficiais (que, no caso municipal, é uma publicação semiclandestina, porque, dela, como no samba famoso, ninguém sabe e ninguém viu). Com um senão: o DO tem menos erros.
Artistas e jornalistas: estes jovens efêmeros
Cruzei com Ruy Castro na redação do Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, em algum momento entre abril e maio de 1967. Ele entrando, eu saindo. Minha passagem pelo mais importante jornal da república brasileira (1901-1974) foi abreviada: problemas na família me fizeram voltar a Belém e interromper uma experiência que se anunciava rica, no jornal e na escola (o experimental colégio André Maurois, no Leblon, comandado por Henriete Amado).
Pela leitura da entrevista de Ruy à revista Imprensa confirmei a intuição que já tinha. Cheguei ao jornal como autêntico ‘foca’, encaminhado do Jornal do Brasil para Mauro Ivan, secretário do Correio, que me colocou à disposição do chefe de reportagem, o Marinho. O jornal já estava descendo a ladeira, mas ainda era formidável. Aos domingos, publicava o melhor suplemento dessa época e de muitas outras épocas, o ‘Quarto Caderno’. E tinha gente de primeira nas edições da semana.
Mas foi Vagner Tadeu Horta quem mais me impressionou. Ele assinava uma coluna, a ‘Pop’, que escrevia e desenhava. Fez uma memorável releitura da Bíblia, em quadrinhos. Com um traço à Saul Steinberg, mas com marca própria. E muita cultura, excepcional em termos gerais, ainda mais na sua pouca idade, rara dentre cartunistas. Também aluno de sociologia, só que na FNFi (Faculdade Nacional de Filosofia, do Rio de Janeiro), Vagn era apenas um ano mais velho do que eu, mas adiantado demais no ensimesmamento.
Condenado ao esquecimento
Modelo inverso ao do seu conterrâneo de Caratinga, Minas Gerais, o muito bem sucedido cartunista Ziraldo, Vagn acabou seus breves e intensos dias em 1970, mal chegado aos 22 anos, no Hospital Psiquiátrico Pinel, no Rio. A prisão um pouco antes, por motivos políticos, o abalou muito. Ficou a dúvida se cometeu suicídio ou foi abatido por overodose de remédios. Recebi a notícia já à distância, em São Paulo. Achei de imediato que ele se matara, sem esperar por destino semelhante ao de Lima Barreto, com o qual tinha semelhanças.
Fiquei muito abalado na época. Depois, viria a morte de Torquato Neto, grande poeta e letrista de algumas das melhores músicas dos tropicalistas. E a de Flávio Macedo Soares, quase tão novo quanto os demais. Uma geração de personalidades breves e marcantes, com o estigma da vida breve de que falou – e muito bem – Otto Maria Carpeaux, num artigo memorável. Como pareciam pressentir que morreriam cedo, trataram de fazer tudo às pressas, como Rimbaud, matriz desse tipo de passeio fugaz pela vida pós-moderna (com o complicador, no caso do poeta francês, de não ter morrido biologicamente logo para morrer mais misteriosamente em vida, parando de escrever logo depois dos 20 anos).
Tentei interessar amigos e conhecidos do mundo do cartum e do jornalismo para a excepcionalidade da presença de Vagn. Sua produção ficou presa às páginas efêmeras do Correio da Manhã. Apareceu apenas num livro, Dez em Humor, álbum com uma seleção de cartunistas, publicado pela Primor em 1968. Seus poucos desenhos apareceram no rabo da fila de celebridades, como Millôr, Fortuna e o próprio Ziraldo, uma versão aquosa do traço e das idéias concentradas de Vagn.
Ele parece condenado ao esquecimento por muito tempo ainda, como o baiano Flávio Macedo Soares, sobrinho da famosa Lota de Macedo Soares, criadora (com Roberto Burle-Marx) do aterro do Flamengo e amante da poeta americana Elizabeth Bishop. O que temos de registro de Flávio aparece rapidamente Em Uma Arte, a seleção das cartas de Bishop publicada pela Companhia das Letras em 1995, com 792 páginas. É o mais deslumbrante epistolário que já li, minha volumosa e fecunda companhia de cabeceira.
Inteligentes e sensíveis
Elizabeth faz a primeira observação sobre Flávio em uma carta datada do Rio de Janeiro, de 8 de outubro de 1962. Diz que Flávio ‘está com uma coleção de amigas muito cosmopolitas’, dentre elas Caroline, que nesse momento voltava para Paris, passando pelo Rio. Bishop considerou ‘bastante bom’ um poema que ele lhe deu. Classificou-o de ‘tranqüilo, bonito, muito diferente do que eu esperava’.
Retorna a Flávio oito anos depois, na carta que mandou de Ouro Preto para James Merril, em 24 de agosto de 1970. Diz que ‘passou um domingo ao lado dele, que ia publicar um livro de contos e uma grande antologia de contos’.
Só volta a se referir a ele em 11 de fevereiro de 1972, numa carta a Selden Rodman, para anunciar ‘a morte horrível’ de Flávio, a quem dizia conhecer ‘desde que ele tinha oito ou nove anos’. Não sabia informar se o conto e a antologia de contos que lhe anunciara chegaram a ser publicados. Tinha intimidade com Flávio, mas não diz muita coisa:
‘Ele escreveu alguns poemas líricos bons – tenho vários, e devem existir mais. Realmente não sei o que aconteceu com o Flávio: estive com ele no finalzinho de setembro de 1970, no Rio, quando eu estava vindo para cá [Estados Unidos], e naquela noite ele parecia estar ótimo. Não estive com a viúva, e ele não me escreveu. Ele era um rapaz extremamente inteligente: é de partir o coração’.
Esses rapazes inteligentes e sensíveis merecem voltar à vida, da qual saíram pelas portas dos fundos, desajeitadamente. Mas, agora, pelo portal da inteligência.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)