Pauta constante e cada vez mais atraente, os problemas e os avanços na Educação brasileira começam a ganhar inesperada importância política. As eleições para governadores e presidente em 2010 são o pano de fundo de recentes iniciativas do MEC (leia-se PT) e do governo do estado de São Paulo (leia-se PSDB).
O governador José Serra tomou recentemente uma decisão rápida e, aparentemente, eficaz. Diante do frágil desempenho da secretária de Educação Maria Helena Guimarães de Castro (o episódio dos dois Paraguais foi a gota d´água) e aproveitando a deflagração, goste ou não, da corrida eleitoral, entregou a pasta para o experiente Paulo Renato Souza, ex-ministro da Educação, que poderá ajudá-lo a construir uma imagem menos negativa em relação à situação educacional do Estado.
As linhas iniciais de uma pequena nota na revista Veja desta semana (ed. 2106) resumem o motivo principal da substituição:
‘Com Paulo Renato na Secretaria de Educação de São Paulo, José Serra pretende acalmar os professores, uma das categorias mais rebeldes do funcionalismo público do estado […].’
E por que os professores estariam nervosos? Os professores são bem menos rebeldes do que Veja imagina. O caminho escolhido por Maria Helena, com apoio de Serra, em lugar de estabelecer um diálogo melhor com os professores, reconhecendo reivindicações legítimas, foi criar um sistema de premiação que se demonstrou falho. A base para esses prêmios é o recém-criado Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo), mais conhecido entre os professores como ‘Índice de Desespero do Professor’, considerado, no entanto, por Gilberto Dimenstein, como ‘uma das medidas educacionais mais ousadas dos últimos tempos’ (Folha de S.Paulo, 22/03).
Escolas exigentes ficam em desvantagem
Tal política de concessão de bônus aos professores, com a condição de que contribuíssem para que a sua escola atingisse certas metas, gerou angústia, incertezas, confusão e sensação de injustiça.
No cálculo do desempenho dos alunos há um detalhe chamado ‘fluxo’ (índice de alunos aprovados em relação ao número de alunos matriculados, que varia entre 1 e zero). Um dos criadores do Idesp, o professor José Francisco Soares (UFMG), fez notar que esse aspecto tornou-se elemento problemático. A avaliação dos alunos deveria ser feita por entidade externa. Ao contrário, valeram os critérios da própria escola. E, olha a tentação! Basta que algumas faltas dos alunos sejam ‘abonadas’ ou que as notas dos alunos menos preparados sejam um pouco ‘melhoradas’ para que os indicadores de fluxo se tornem mais favoráveis! E que venha o bônus ao menos uma vez ao ano, compensando o salário baixo de todos os meses!
Os números são dóceis. Imaginemos uma escola… nada imaginária. Em 2007, essa escola atingiu pelo Idesp 1,75. Sua meta para 2008 era 1,88. O fluxo em 2008 foi 1, ou seja, nenhum aluno reprovado! Seu Idesp em 2008 foi, assim, plenamente atingido, multiplicando-se o fluxo pelo indicador de desempenho (ID). O ID sintetiza a performance da escola no exame do Saresp (prova de matemática e português aplicada pelo governo estadual). Ora, aquela escola hipotética atingiu nota 1,98 no Saresp… Seu Idesp 2008, portanto, chegou a 1,98. Meta superada! Ao passo que as escolas mais exigentes, mesmo com performances superiores no ID, ficaram em desvantagem no final das contas e seus professores sentiram-se punidos com a perspectiva de não receberem o bônus.
Concepção ‘conservadora’
Essa lógica ilógica explica a decisão de mudar as regras no meio do jogo. Para não causar mais problemas e desgastes (e pensando em apresentar melhores resultados da educação paulista na campanha presidencial), José Serra refez os cálculos. Seu raciocínio ‘pedagógico’ baseia-se numa relação custo (verbas)/benefício (imagem para 2010). Agora, as melhores escolas de São Paulo – seria mais apropriado chamar de ‘menos fracas’ – foram também premiadas, embora com bônus um pouco menor.
No outro lado está o MEC, sob a liderança de Fernando Haddad, cuja presença no cenário político cresceu graças à competência e seriedade com que trabalha. Vale a pena destacar também a inegável simpatia que Lula tem por este ministro, que poderá ser um dos seus afilhados em alguma campanha eleitoral (talvez para o próprio governo de São Paulo, como alguns especulam).
Em seu artigo na Folha de S.Paulo (29/03), ‘Educação: duas visões’, Haddad confronta duas concepções de Educação que são, afinal, dois estilos de governar. Uma concepção ‘conservadora’, que insiste em falar em meritocracia com relação, sobretudo, aos professores, mas que possui pouco ou nenhum espírito colaborador, pouca ou nenhuma sensibilidade pedagógica. Esta é a concepção e o estilo de José Serra. (Evidentemente, Haddad, com sua habitual diplomacia, não apresenta assim as deduções que eu faço aqui.)
Tema será crucial nos debates
E há uma concepção ‘progressista’, que não dispensa a questão do mérito, não fecha os olhos para as falhas de formação do professorado brasileiro, mas atua com outro espírito. São os progressistas, e Haddad inclui-se neste grupo, que
‘defendem o piso nacional do magistério, constroem a carreira com a categoria e procuram corresponsabilizar a classe política e as instituições formadoras pelos destinos da educação’.
O penúltimo parágrafo do artigo é sugestivo, ao mencionar ‘vésperas de cada eleição’:
‘[…] o Ministério da Educação, a partir de 2005, divulga o Ideb de cada rede de ensino às vésperas de cada eleição e, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), fecha cursos de licenciatura de baixa qualidade’.
O tema educação será crucial nos próximos debates políticos, em nível nacional e estadual. E o papel da mídia será nos informar, não só quando houver dois Paraguais no mapa de um livro didático (notícia que acelerou a substituição da secretária Maria Helena), mas em especial as idéias e ações dos que afirmam lutar por uma educação melhor.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br