Precisamos observar, ler a respeito, discutir a educação brasileira. Há muito a conhecer e entender, para corrigir e melhorar; há muito a lamentar (e a elogiar também, por que não?). Há muito a desfazer e fazer.
Inteirar-se e pensar é um passo importante. A edição de agosto da revista Cult traz um dossiê sobre ‘o conflito das universidades’. São 21 páginas de informações, opiniões e reflexões, cuja tônica é a crítica à lógica mercantil dominante e à burocracia acadêmica.
Por exemplo, Lucrécia Ferreira (PUC-SP) lembra que, embora a universidade pública seja oficialmente gratuita, em geral os que nela ingressam foram preparados para isso desde sempre. Há uma seleção prévia de caráter econômico e social. Quem estudou em escolas melhores, quem teve condições familiares mais propícias, quem teve acesso ao livro, à arte, ao saber e à tecnologia, está, de certo modo, destinado ao privilégio do ensino superior gratuito, onde é possível usufruir da pesquisa, da extensão e do ensino em articulação.
Em contrapartida, as faculdades e universidades particulares absorvem um número imenso de pessoas que agora precisam ‘investir’ no estudo. Chico de Oliveira (USP), que, conforme ele próprio afirma, não pode abrir mão de seu vício profissional de olhar a realidade sociologicamente, critica a bolsa ProUni. Para ele há uma falsidade nessa lógica a favor das instituições privadas e em prejuízo dos que sonham com um diploma universitário como passaporte para a ascensão profissional. A balconista da padaria que ele frequenta está fazendo um curso universitário e… acredita ingenuamente que um dia irá mais longe.
A descoberta do que não queremos descobrir
Ainda nesse mesmo dossiê da Cult, Ricardo Musse (USP) escreve um artigo denunciando a lógica econômica que vem conduzindo a universidade. Cita Os usos da universidade, de Clark Kerr, de 1963, obra que nas sucessivas edições foi recebendo do autor, até sua morte em 2003, novos capítulos. A partir da leitura deste livro, profético (tendo a realidade norte-americana como ponto de partida), Ricardo Musse chega à constatação de que o conflito decisivo se faz entre os que veem a universidade como espaço da reflexão crítica e os que a administram dentro do espírito da acumulação de capital.
Outro a escrever no dossiê, Vladimir Safatle (USP) observa, com inspiração lacaniana, que as ciências humanas têm papel importante na descoberta (mesmo que isso não traga resultados econômicos…) do que não queremos descobrir… O que será?
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br