A saúde é um dos direitos sociais assegurados na Constituição Federal de 1988 (art. 6º). Por isso, a sociedade tem o direito de ser muito bem informada acerca de todos os avanços científicos disponíveis nessa área tão importante para a cidadania.
São razoavelmente conhecidos os efeitos deletérios do álcool em acidentes automobilísticos, assim como agente de desestruturação familiar. Entretanto, poucos estão cientes dos danos que as bebidas alcoólicas podem causar à saúde humana. Segundo recentes documentos divulgados pela Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (International Agency for Research on Cancer – IARC), existe uma correlação entre a ingestão de etanol e o aparecimento de tumores malignos na cavidade oral, faringe e laringe. Em outras palavras, o consumo de bebidas alcoólicas pode provocar câncer. Estudos demonstraram que a cerveja, o vinho e as bebidas alcoólicas fortes estão mais fortemente associados ao aparecimento de cânceres da cabeça e pescoço.
Com o objetivo de inibir o consumo de bebidas alcoólicas, os cientistas estão sugerindo à Organização Mundial da Saúde – OMC a colocação de advertências ao consumidor nos rótulos das garrafas, à semelhança do que já é feito nas embalagens de cigarros. A indústria do setor não está gostando da idéia e já passou a pressionar o governo brasileiro no sentido de que tal medida acarretaria prejuízos econômicos e diminuição na arrecadação de impostos.
Publicidade enganosa
É preciso considerar que o art. 37 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC proíbe toda publicidade enganosa ou abusiva. A informação clara e adequada sobre produtos e serviços é um dos direitos básicos do consumidor. Entretanto, são comuns os apelos no sentido de que o vinho faz bem à saúde. Assim, as pessoas são induzidas a pensar que o álcool faz bem para a saúde.
Segundo a tese de doutorado desenvolvida por Silmara Regina Coimbra na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, o suco de uva possui a mesma propriedade vasodilatadora do álcool, sem os inconvenientes deste. Tal efeito vasodilatador auxilia na prevenção de eventuais doenças cardíacas. Então, na verdade, o que faz bem mesmo e não tem contra-indicação é o consumo do puro suco de uva, ou seja, os dos elementos naturais encontrados na fruta.
A popular recomendação de se consumir um cálice de vinho durante as refeições deve ser observada com cautela diante das recentes pesquisas médicas, uma vez que existe o risco de se contrair câncer. Não faz sentido evitar a doença do coração e se expor ao câncer. Assim, essa recomendação, quando veiculada pela mídia, não passa de publicidade enganosa.
Etanol em excesso
A União Européia tem se preocupado com as mensagens enganosas ou exageradas na publicidade dos alimentos, conforme noticiado pelo jornal espanhol El País em 01/02/2007. Por determinação de uma normativa européia, as bebidas alcoólicas com graduação superior a 1,2% não mais poderão ser apresentadas como saudáveis. De acordo com essa normativa, a mídia também não poderá anunciar que a ingestão de vinho é benéfica ao bom funcionamento do coração. Essa exemplar restrição à publicidade enganosa é válida para os 27 países que fazem parte da organização internacional conhecida com União Européia.
Segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, as regras do código brasileiro de auto-regulamentação do Conar (www.conar.org.br) são, em grande medida, violadas pelas propagandas brasileiras de cerveja. Na avaliação realizada por adolescentes, 12 regras foram violadas. Entre as tais, verificaram-se o incentivo abusivo e irresponsável do álcool e apelos à sensualidade (sexo).
Outro dado relevante em relação aos hábitos da população brasileira em face do consumo de etanol foi divulgado pela Secretaria Nacional Antidrogas – Senad. Segundo levantamento da Senad, 25% da população consome bebidas alcoólicas em excesso.
Direitos do consumidor
Após uma série de audiências públicas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa deverá baixar, nos próximos meses, uma resolução proibindo a veiculação de propagandas de cerveja na televisão no horário das 8 às 20 horas, com o fim de proteger o público infanto-juvenil, mais vulnerável à influência da mídia.
O interesse da indústria de bebidas alcoólicas não pode ser colocado acima dos direitos do consumidor, relacionados com o acesso à informação segura. Essa é uma questão de saúde pública que não pode ser negligenciada pela mídia e muito menos pelas autoridades competentes.
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Advogado no estado de São Paulo, vice-presidente da ABLIRC – Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania