A banda “Gurizada Fandangueira” que se exibia na boate Kiss, “beijo”, em Santa Maria (RS), na noite de sábado para domingo (26-27/1), era composta por músicos da região. De acordo com o seu site, existia há 10 anos e, como sugere o nome, especializava-se em música sertaneja e gauchesca. O ponto alto dos shows eram os “efeitos especiais” com a ajuda de fogos de artifício. Um dos músicos, o sanfoneiro, está entre as vítimas fatais.
É cedo para apontar os responsáveis pela tragédia. O governador Tarso Genro (que foi vereador na cidade) exigiu a conclusão do inquérito até a quarta-feira (30/1). As autoridades, porém, já falam em homicídio culposo ao referirem-se ao papel desempenhado pela banda. Até o momento há 233 jovens mortos e 126 feridos.
Os primeiros levantamentos que correm na internet apontam para similaridades em dezenas de eventos extremos:
>> Ocorreram em boates (ou discotecas & congêneres), recintos fechados, geralmente adaptados, frequentadas por jovens – sempre as principais vítimas. Em Madri, na festa de Halloween (31/10/2012) o estouro deu-se no ginásio Madrid Arena, onde dez mil jovens se divertiam. Morreram cinco, com centenas de feridos pisoteados. O pânico foi causado por um artefato pirotécnico.
>> Em Buenos Aires, na véspera do fim de ano de 2004 (30/12), na boate República Cromañón contabilizaram-se 194 vítimas fatais com 1.400 feridos num incêndio e correria causados pelo uso de fogos de artifício.
>> Em fevereiro de 2003, numa boate em Rhode Island (EUA), registram-se 100 mortes. Artefatos pirotécnicos também foram apontados como causadores do pânico.
>> Em Belo Horizonte, no “Caneco Mineiro”, novembro de 2001, morreram seis. Fogos de artifício também foram apontados como causadores da tragédia.
Dessa lista apenas o episódio madrileno ocorreu num espaço público. De norte a sul do Brasil realizam-se há anos eventos em logradouros com a participação de cem mil, quinhentos mil, um ou dois milhões de pessoas, na maior tranquilidade, sem vítimas. Todos em locais devidamente preparados, fiscalizados e submetidos a rigorosas normas de segurança e uso abundante de fogos de artifício.
Alegria privatizada
Não se sabe quantas pessoas estavam dentro da boate gaúcha quando começou o incêndio e dificilmente se alcançará um registro confiável. Além do uso de “efeitos especiais” e artefatos pirotécnicos, há um dado comum nas tragédias citadas: ocorreram em recintos impróprios, precários, privados.
A indústria da diversão conta com regulamentos rigorosos para salas de cinema e teatros. Boates e discotecas não são casas públicas de espetáculo. Pertencem a estranhas e bizarras empresas, geralmente “laranjas”, trapaceadas ou associadas a negócios escusos.
Jovens são alegres, têm energia. Em qualquer parte do mundo, em qualquer época, em grandes, médias ou pequenas cidades, em países ricos ou pobres, jovens sempre gostaram de dançar, divertir-se, festejar, paquerar. Esta pulsão de viver sobrepõe-se às guerras, recessões, grandes crises e se expressa com mais vitalidade em comunidades onde os jovens se imaginam protegidos pelos adultos.
O Brasil é festeiro. O governador cearense Cid Gomes paga um cachê de 650 mil reais por uma única apresentação da cantora Ivete Sangalo na inauguração de um hospital público e jamais lhe passaria pela cabeça gastar um pouco mais para que os jovens de Fortaleza possam ir regularmente às festas sem correr o risco de serem sufocados ou pisoteados.
Nossos governantes gastam bilhões para construir estádios de futebol, mas não se preocupam em providenciar locais muito menores, seguros e agradáveis para receber shows e festas. Preferem privatizar a alegria de viver dos jovens. Preferem sacrificá-los em boates chamadas “Kiss”.