Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ele desafiou a vida e o jornalismo

Se o Paulo Patarra gostasse de pôquer em vez de jornalismo, sem dúvida ele estaria entre esses campeões que, hoje em dia, aparecem na televisão, em vários canais, disputando campeonatos de milhões de dólares.


Paulo jogava, na vida e no jornalismo, com extrema agressividade, com coragem. O Paulinho desafiava o jornalismo tradicional, desafiava a sociedade, desafiava a própria vida. E, pelo que parece, manteve a postura desafiadora até o último dia: doou o corpo, segundo informação ‘oficial’, para uma instituição médica. Pois é, se havia uma coisa que o Paulo Patarra não suportava era a informação ‘oficial’. Exigia que tudo fosse checado, contestado, examinado de todos os ângulos.


Conseguiu, durante quase três anos, unir e liderar a equipe da Realidade, uma turma que não era nada fácil. Era meticuloso nas pautas, exigente no resultado. E quando sabia que tinha um bom material na mão, mas havia resistência da empresa, nunca hesitou em jogar tudo na mesa. No jargão da época, era ‘pegar o paletó’, ou seja, pedir demissão, coletivamente. Ele conseguia e tinha adesão de toda a equipe para posições que seriam consideradas ‘radicais’ e que poderiam parecer suicidas.


Companheiro de copo


O que mais ele ensinava, não com teorias, mas com a atitude, nos tempos da Realidade, era o uso inteligente da arte da agressividade.


Nunca se conformou com uma matéria que não fosse fundo, que não quebrasse algum tabu, que não escandalizasse os conservadores e a ordem estabelecida, principalmente no plano dos usos e costumes, da falsa moralidade. No plano político também, mas os tempos exigiam sutileza e cautela, que ele soube enxergar, usar e passar para a equipe.


Inteligente, claro, bem informado, engajado, também tinha mais uma característica: a ironia aliada ao bom humor. Analisado, com muitas horas de divã, conseguia trazer para a vida prática o que aprendia em sua própria psicanálise. Sabia ver – às vezes com erros, às vezes com acertos – o que estava no subconsciente dos entrevistados, dos colegas, dos chefes e patrões. E jogava com esse mix de conhecimento nas pautas, nas reivindicações, nos relacionamentos – enfim, no jogo da vida.


Durante as longas bebedeiras dos anos 1966 e 67, confessava alguns dos seus métodos – pelo menos para mim, companheiro de madrugada e de copo, já que os demais colegas da Realidade eram compenetrados revolucionários. Mas conservava, claro, para ele, o pulo-do-gato.


Argumento forte


Uma vez, naqueles anos de permissividade, quando um amigo disse que não gostava muito de ficar trocando de namorada por medo de solidão na velhice, soltou uma de suas frases: ‘No fim da vida, melhor morar com um amigo do que com uma velha chata’.


Passado muito tempo, já no começo da década de 1980, cruzamos novamente. Alguns diretores da Abril sonhavam lançar uma revista de São Paulo, tipo a New York. Os primeiros ensaios e edições experimentais foram feitos dentro do grupo Quatro Rodas, com o Paulo e outros. Quando foi decidido que a revista seria lançada, ela deveria ser ‘descolada’ do grupo Quatro Rodas. Até por sugestão minha, o diretor de redação foi o Paulo Patarra. Ele montou a equipe, fez uma primeira edição muito boa.


Mas era o Paulo Patarra, o desafiador. Então, colocou na capa da revista um cidadão que era sobejamente conhecido por ser arquiinimigo de um dos vice-presidentes da Abril. É claro que, dias depois, apareceram fortes argumentos econômico-financeiros para fechar a revista, que mal tinha sido lançada.


Mas a lenda Paulo Patarra estava mantida.


 


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