Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Eliminação do trema. Valerá a pena?

Um quidam gerou um enorme quiproquó por causa de uma guibuguira. Certamente o leitor não entendeu bulhufas desse período e, certamente, também, teve dificuldade para pronunciar as palavras em que aparecem os grupos qui e gui. Afinal, pronuncia-se ou não o u?

É evidente que se trata de uma frase artificial inventada por mim após pesquisar algumas palavras no dicionário. Vamos traduzi-la: Certa pessoa gerou uma enorme confusão por causa de uma formiga.

A frase que inventamos está redigida no português que passará a viger no Brasil, já no ano que vem, segundo tem sido amplamente divulgado pela imprensa.

Se consultamos, hoje, o Aurélio e o Houaiss, vemos que esses autores recomendam a pronúncia do u átono em quidam e quiproquó e a contra-indicam em guibuguira, por isso são tremadas as duas primeiras palavras.

Com as novas regras a serem implantadas, como os dicionários farão para indicar que o u dos dois primeiros casos deve ser pronunciado? É evidente que terão de fazer uma indicação fonética entre parênteses (é possível que com o próprio trema), para que o leitor pronuncie o vocábulo. Tira-se o sinal gráfico da palavra, os dicionários são levados à obsolescência e o sinal terá de ser estampado para que o consulente possa pronunciar adequadamente. Uma pena! Um contra-senso!

Complexidade persiste

Sob esse aspecto, ficamos um pouco parecidos com o inglês. Eu, que tão pouco me identifico com a língua de Shakespeare, lembro-me de que, no antigo ginásio, levei um susto ao saber que o i de night lia-se ai e, para não fazer feio nas aulas de leitura, tomava sempre minhas providências, escrevendo ao lado das palavras a sua pronúncia.

Fico imaginando um locutor que tenha de ler quinquênio (já na nova ortografia) e seja assaltado pela dúvida: qüinqüênio, qüinquênio, quinqüênio ou quinquênio? Um redator sensato alimentaria esse nosso locutor com um qüinqüênio, mandando às favas as novas regras da língua.

Com as novas regras do Acordo, nosso sistema de escrita, já tão complexo, não perde significativamente em complexidade e, ainda por cima, sepulta um sinal que é um belo auxiliar no processo de leitura.

Constatação frustrante

Estaremos, com a eliminação do trema, nos igualando aos irmãos portugueses, que já não usam o sinal desde o Acordo Ortográfico de 1945, subscrito pelo Brasil, mas sabiamente não ratificado pelo Congresso Nacional.

É intrigante que, agora, o novo Acordo, que prevê, além da eliminação do trema, outras mudanças, só tenha sido ratificado pelo Brasil, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Não seria prudente esperar a adesão de todos os países de língua portuguesa? Não seria prudente ouvir a comunidade envolvida, sobretudo os professores brasileiros de língua portuguesa? Não seria prudente ouvir especialistas da estatura de um Pasquale Cipro Neto, que, em artigo na Folha de S. Paulo (20/08/2007), denuncia que os custos superam os benefícios?

Afinal, que ganham os brasileiros passando a escrever veem, voo, assembleia etc., senão uma brutal confusão em suas cabeças e a frustrante constatação de que seus livros, dicionários e softwares ficaram repentinamente obsoletos?

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Professor