A Fundação Avina reuniu, na semana passada, cerca de 70 representantes de organizações não governamentais da Região Sudeste e Distrito Federal em um hotel fazenda em Itatiba, estado de São Paulo. O principal objetivo do encontro, que teve quatro dias de duração, era fortalecer as relações e parcerias entre os líderes sociais. Seu diferencial, porém, envolveu um elemento a mais: o jornalismo.
Na quarta-feira, 25/8, o dia foi inteiramente dedicado ao debate sobre a relação entre a sociedade civil e a imprensa. A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), formada por jornalistas, foi responsável por organizar a conversa. Estiveram presentes o presidente da Abraji e ombudsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba; o colunista e repórter da Folha Fernando Rodrigues, também diretor-executivo da Associação; Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil; Veet Vivarta, diretor-editor da ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância); Manoel Francisco Brito, colunista da America On Line e responsável pela agência de notícias ambientais O Eco; e o vice-presidente da Rede Bandeirantes, Marcelo Parada.
Afinando o diálogo
Os jornalistas falaram sobre a situação atual da mídia no Brasil, o papel da imprensa e como se dá seu diálogo com a sociedade civil. Nos intervalos entre os blocos temáticos, o diálogo foi efetivamente posto em prática. Frente a frente, representantes dos dois grupos puderam expressar suas dúvidas, reclamações, desejos, explicações e algumas farpas. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. E, no fim do dia, o título do encontro, ‘Afinando a Orquestra’, caiu como uma luva para a iniciativa.
Em entrevista a este Observatório, o jornalista Geraldinho Vieira, representante da fundação Avina, concordou que o diálogo entre imprensa e sociedade civil precisa de um esforço conjunto para atingir sua sintonia ideal. O primeiro passo foi dado.
O que é a Avina?
Geraldinho Vieira
– A Avina é uma fundação que apóia líderes sociais nos países ibero-americanos, com ênfase nos países da América do Sul. Hoje, nós apoiamos financeiramente cerca de 1200 lideranças neste universo. No Brasil, a Avina está há três anos e hoje apóia cerca de 200 lideranças sociais nas mais diversas áreas temáticas, como inclusão social, questões de gênero, raça, educação, deficientes físicos, idosos, saúde, meio ambiente e controle da mídia. Enfim, são lideranças que trabalham em setores muito específicos da sociedade civil. A gente aposta muito nessa diversidade.Qual a finalidade deste encontro?
G.V.
– Esta é a reunião anual de líderes sociais apoiados pela Avina na região Sudeste e no Distrito Federal. Em quatro dias, são discutidas questões sobre responsabilidade social e sobre as parcerias entre as ONGs.Como surgiu a idéia de convidar jornalistas para participar do encontro?
G.V.
– A Avina acredita que, de alguma maneira, o desenvolvimento de uma sociedade pode ser medido pelo grau de interação que existe entre os diferentes setores presentes nela. Como, por exemplo, a interação entre sociedade civil e empresas ou governo. Quer dizer, quanto mais e com maior qualidade os setores da sociedade dialogam, mais desenvolvida você tem esta sociedade, e mas amadurecida você tem a democracia. Uma das relações que também inquieta muito as lideranças da sociedade civil é a relação com a imprensa. Primeiro, porque líderes sociais são pessoas que se mantêm informadas, lêem jornal, vêem televisão e ouvem rádio. Como leitores, eles têm suas dúvidas e suas angústias; como atores sociais engajados e organizados, sentem maior ou menor grau de dificuldade em se relacionar com a imprensa. E como o interesse da Avina é promover o desenvolvimento do diálogo entre os setores, percebemos que estes líderes tinham a necessidade de estabelecer um diálogo maior e mais técnico com a imprensa.O que você achou da experiência?
G.V.
– Ficamos muito felizes em encontrar a Abraji, uma ONG feita por jornalistas com o intuito de melhor discutir e qualificar o que se pode chamar de jornalismo investigativo. Ou seja, encontramos um grupo de jornalistas renomados, auto-críticos e agindo em prol de um melhor jornalismo. Percebemos que ali a gente tinha uma entidade que pudesse nos ajudar a promover esse debate. Nosso objetivo é que os jornalistas possam ouvir bem a voz da sociedade civil e que a sociedade civil possa compreender as limitações e a cultura dos jornalistas. Queremos ampliar o diálogo, transformá-lo em algo mais técnico, mais profissional. O seminário foi muito legal. A gente sabia que ia ser um debate quente. Em apenas um dia foi possível que mitos, fantasias, realidades e preconceitos viessem à tona – estranhezas que eram previstas e necessárias.Na prática, qual a importância de promover o diálogo entre imprensa e sociedade civil?
G.V.
– Sob o ponto de vista da Avina, creio que estamos cumprindo nosso papel como entidade intermediária na produção desses diálogos intersetoriais. Pessoalmente, eu tenho muita esperança nesse tipo de diálogo. Eu costumo dizer que jornalismo é uma das atividades que se faz com maior dose de inconsciência. Acho que um debate como este é um debate de formação de consciência para ambos os setores. Os jornalistas param pouco para avaliar sua profissão. Hoje, só há dois ou três jornais do país com ombudsman. Já os líderes sociais querem entender melhor a lógica da imprensa. O que eles normalmente percebem é que, quando a imprensa cobre temas sociais, a qualidade do noticiário não passa pelo crivo dos especialistas, daqueles que estão no campo e conhecem a realidade. Neste caso específico, creio que fornecer à imprensa um retrato crítico dela própria permite com que ela reflita e mude.