Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Em vez de explicações, tentativa de censura

Sem que o Brasil tome conhecimento, um governador de estado, Eduardo Braga, do Amazonas, está relembrando os piores tempos da ditadura. Como, felizmente, não dispõe dos mesmos instrumentos que os militares detinham em épocas passadas, vai buscar no TRE um recurso para tentar calar um dos mais tradicionais jornais da Região Norte do Brasil, querendo assim censurar a imprensa num dos seus mais caros direitos, o de informar a população sobre os desmandos, os atos ilícitos, os desvios de conduta daqueles que deveriam ser os primeiros a zelar pelo bem dessa população.

Os fatos:

1) Em sua edição de 29 de junho, o jornal A Crítica publicou dados contidos em vários dossiês preparados por técnicos da própria administração estadual, nos quais surgem indícios consistentes de um gigantesco esquema de desvio de recursos públicos. Trata-se de um esquema de superfaturamento em obras e convênios que atinge 1,79 bilhão de reais, dinheiro movimentado na gestão do governador Eduardo Braga (PMDB) entre 2003 e 2006. Os principais indícios de corrupção estão em 18 contratos de obras de recuperação de estradas e melhoramento do sistema viário em 14 municípios do interior e na capital.

Os principais envolvidos no esquema são cinco grandes grupos empresariais, que teriam se beneficiado de concorrências públicas dirigidas a contratos superfaturados em até 120%. Juntos eles teriam faturado 608,5 milhões de reais nos últimos três anos. Os documentos mostram que a maioria dos superfaturamentos ocorreu em convênios celebrados entre o estado e as prefeituras municipais, que não controlam as obras. Entre os grupos beneficiados está o Etam, pertencente à família do ex-governador do Acre Orleir Cameli, que controla as construtoras Etam, Amazônidas, Ideal e Colorado. Juntas, essas empresas faturaram 250 milhões de reais na execução de quatro obras: recuperação das estradas de Autazes, da Várzea (Médio Amazonas), de Manaquiri e a urbanização do igarapé do Passarinho, na Zona Norte de Manaus. O grupo é considerado o maior beneficiário do esquema.

O segundo maior parceiro do suposto esquema seria o Grupo Rota, composto pelas empresas Pampulha Construções e Rota Construções, que celebrou contratos com o estado de 160 milhões de reais. A empresa Rota tem entre os seus sócios os empresários Otávio Raman Neves e Otávio Raman Neves Júnior.

Em seguida, aparece o Grupo Coencil, que ganhou do estado contratos de 100 milhões de reais, dos quais 19,3 milhões de reais referem-se à limpeza de igarapés feita nos primeiros dias da gestão de Braga. Os documentos ressaltam que essas obras foram feitas com dispensa de licitação e que o contrato foi fechado 60 dias depois de iniciado o serviço.

‘Acusações sem provas’

O Grupo Coencil, de acordo com os documentos, é composto pela Coencil Construções, pela empresa Rios Empreendimentos e Construções, e pela Construtora Futura, que tem entre os seus sócios a empresa Wega Par Ltda., representada por Maria da Conceição Nunes Melo. O relatório mostra ainda que a Coencil, nesse período, realizou os serviços de drenagem e sistema viário do Igarapé de Educando, entre a Rua Duque de Caxias e a Avenida Maués, na Cachoeirinha. O contrato da obra, de 56,6 milhões de reais, foi celebrado entre o governo e a construtora Andrade Gutierrez, que passou o serviço para a Coencil. O primeiro nome do grupo, segundo registros da Junta Comercial do Estado do Amazonas (Jucea), é o do empresário José de Moura Teixeira Lopes Júnior, conhecido como Mourinha, que goza da amizade de Braga.

O documento atesta, neste caso, que houve superfaturamento. Para comprová-lo, os técnicos que elaboraram o relatório fazem comparação desse contrato com obra semelhante realizada pela empresa Estacon, de 27,3 milhões de reais, no igarapé da Cachoeirinha, da foz do Igarapé do 40 até a Avenida Codajás. Esse trecho, diz o relatório, é três vezes maior que a obra do igarapé do Educandos.

O documento cita ainda as empresas Demac Construtura e a Base Empreendimentos como participantes do esquema. A Demac obteve um contrato de 18,5 milhões de reais para a construção das estradas de Cambixe e de Anori/Anamã. A empresa Base teve participação no negócio com contratos da ordem de 80 milhões de reais. O relatório dos técnicos do governo afirma que essa empresa pertence a pessoas ligadas a assessores do primeiro escalão do governo do estado do Amazonas.

2) Mesmo procurado diversas vezes pelos jornalistas da Crítica, tanto o governador como seus assessores mais próximos recusaram-se a prestar esclarecimentos. No dia 28/6, véspera da publicação, como manda a ética jornalística, nova tentativa. Como resposta do chefe da Agência de Comunicação (Agecom), Hiel Levy, a lacônica informação de que oportunamente o governador rebateria, item por item, todas as denúncias.

Em vez de fazê-lo, o governador recorreu à Justiça Eleitoral, pedindo ao jornal direito de resposta, anexando à petição um texto vago, que não esclarece e muito menos desmonta qualquer das acusações veiculadas. Mesmo no caminho que escolheu, o judicial, o governador é meramente teatral, uma vez que nunca teve negado seu direito de versão e de resposta. Bastaria ter enviado ao jornal esse ou qualquer outro texto e o veria publicado no dia seguinte.

Logo ao início da resposta, afirma que foram publicadas ‘acusações sem provas’. O jornal esclareceu em sua edição de 5/7:

Ora, o que publicamos foram denúncias, como o faz a imprensa em todo o mundo, que deverão ser apuradas pelos órgãos e instituições específicos, sobretudo pelo Ministério Público. Não pretendeu A Crítica ‘jogar lama’ sobre o governo do Sr. Eduardo Braga, que se diz ético e transparente, mesmo tendo estado, desde o início, envolvido com escândalos. Basta lembrar os supersalários, as terras de Sta. Etelvina, o mensalinho dos políticos do interior, o Botox da Cema, a queima de medicamentos, a exigência de títulos de eleitor no Prato Cidadão proibida pela Justiça, o desvio dos recursos da UEA, o caso das crianças cardiopatas, as licitações fraudulentas levantadas pela Operação Albatroz da Polícia Federal e outros mais.

Ao contrário do que diz o governador, este jornal não está em sintonia com nenhum grupo político e é de público conhecimento que o grupo que lhe faz oposição tem sido historicamente combatido por A Crítica que, inclusive, num trabalho de jornalismo investigativo desmascarou a montagem conhecida como caso Soraya, que atingia a honra do então candidato à Prefeitura de Manaus Serafim Corrêa e beneficiava a candidatura apoiada por Braga.

Que a sociedade se pronuncie

Independentemente da decisão judicial sobre esse pedido de direito de resposta, o jornal se antecipou e ainda nessa edição de 5/7 publicou a resposta do governador Braga. A Crítica ainda esclareceu que em sua ‘Redação têm chegado inúmeras denúncias contra o governo Eduardo Braga. Todas elas são e serão examinadas, até juridicamente, antes de serem publicadas’. O jornal conclui dizendo: ‘Este sempre foi o nosso estilo. Este é o estilo que sempre manteremos. Tantas quantas forem as vezes que os gestores públicos se distanciarem dos verdadeiros interesses da sociedade, tantas serão as vezes que esbarrarão na resistência de A Crítica‘. Em 6/7, tratou da questão no editorial ‘Tentativa de silenciamento’ [ver abaixo].

3) Ainda no dia 5/7, o governador entrou, usando seu partido, o PMDB, com pedido no TRE solicitando que o jornal seja proibido de continuar divulgando as denúncias. O juiz federal Reginaldo Márcio Pereira, auxiliar do Tribunal Regional Eleitoral, negou liminares aos pedidos de direito de resposta e de censura em A Crítica, e agora analisa o mérito das questões com base, também, nos argumentos jurídicos que defendem o jornal, os leitores e a sociedade. Afinal, informação é um bem que deve ser compartilhado com todos.

Enquanto se aguarda essa análise do mérito, é fundamental que a sociedade se pronuncie contra essa agressão promovida pelo governador aos direitos essenciais do cidadão. Basta de censura!



***

Tentativa de silenciamento

(Editorial de A Crítica, 6/7/06)

A Constituição de 1988 rompe, por vontade e determinação do povo brasileiro, com uma das mais nefastas heranças do período de vigência do regime de exceção, o amordaçamento dos meios de comunicação do País. Nos últimos 18 anos, a luta de jornalistas, radialistas e proprietários dos veículos de comunicação tem buscado incansavelmente o aprimoramento dessa conquista.

Tanto pelos que neles atuam quanto pela sociedade. A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e as organizações internacionais que representam esse segmento colocaram no patamar mais alto a defesa da liberdade de imprensa em todo o mundo. Esse constitui-se em princípio universal.

No Amazonas, o que mais uma vez se assiste é a tentativa de fazer calar os meios de comunicação. É o que faz, atualmente, o governador do Estado, Eduardo Braga, em relação a A CRÍTICA. Por quê? Pelo entendimento de que o seu governo está acima das leis, da fiscalização e da vigilância popular. As denúncias publicadas por este jornal sobre o superfaturamento de obras nesse governo, feitas a partir de relatórios elaborados por técnicos do Governo Estadual, são as motivações utilizadas pelo governador para tentar calar A CRÍTICA.

O que o jornal fez e faz é jornalismo. Isso incomoda o governador que, ao acionar a Justiça para silenciar este veículo, e ataca a Declaração de Chaputelpec da qual o Brasil é signatário, que diz em seu artigo X: ‘Nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser sancionado por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público’.

A liberdade de imprensa não é uma falácia e sim um bem da sociedade que vive sob ameaça de autoridades públicas que preferem ter meios de comunicação como reféns de seus humores e de suas vontades. Não é o ato de calar um jornal o que está em jogo nesta questão, é a própria democracia. Quando esse recurso é acionado, tentam os seus articuladores retomar a Lei da Mordaça e impedir que a sociedade tenha acesso à informação plural e que, a partir dela, posicionem-se livremente.

Uma população com maior grau de compreensão sobre a liberdade incomoda administradores públicos habituados a práticas autoritárias. A CRÍTICA, há 57 anos, fez uma opção clara: Defender os interesses da população do Amazonas. Já sofreu, por isso, várias ameaças. E não recuou. Esta é mais uma. E, se no passado, o desejo de ter uma imprensa livre mobilizou multidões até que este princípio fosse adotado, hoje o esforço é para fazer valer esse princípio.

******

Consultor de comunicação e marketing, São Paulo