Um grupo de jornalistas, radialistas, advogados, escritores, sociólogos, professores e pesquisadores se reuniu entre os dias 12 e 14 de maio na cidade de Puebla, no México, no Encontro Internacional de Observatórios de Mídia e Defensores de Audiências na América Latina. O objetivo era o de trocar experiências, propor ações conjuntas e criar uma rede que pudesse favorecer o intercâmbio de pesquisas e ações em defesa da democratização da comunicação e da efetiva liberdade de expressão na região.
A proposta de realizar o evento partiu do Centro Internacional de Estudos Superiores de Comunicação para a América Latina (Ciespal), do Centro de Pesquisas Jurídicas da Universidade das Américas em Puebla, e da Fundação para a Liberdade de Expressão (Fundalex), e contou com a participação de representantes de entidades da Argentina, Chile, Bolívia, Brasil, Equador, México e Paraguai.
A proposta inicial era debater sobre atividades, estruturas, metodologias, contexto social, sucessos e fracassos de cada realidade, e o que se constatou foram muito mais semelhanças do que diferenças entre os observatórios e defensorias/ouvidorias de espectadores e leitores. Paralelos sobre concentração midiática, uso político dos veículos de comunicação, censura a partir do poder econômico e expropriação da liberdade de expressão do cidadão estiveram presentes em praticamente todos os relatos.
Para o advogado mexicano Ernesto Villanueva, diretor do Centro de Pesquisas Jurídicas da Universidade das Américas em Puebla, ‘os observatórios não existem para limitar a liberdade de expressão, como alega a grande imprensa; mas, ao contrário, seu papel é o de exatamente defender o direito da liberdade de expressão para todos’.
Já o empresário do setor gráfico e presidente da Fundação para a Liberdade de Expressão, Armando Prida, destacou que o conceito deve ser incorporado pela sociedade de forma mais efetiva, e para isso encaminharam proposta à Câmara dos Deputados de inclusão do tema Liberdade de Expressão nos livros didáticos de ensino fundamental a serem adotados no México. ‘Desde cedo as crianças devem se apropriar da ideia de que a liberdade de expressão é um direito de todos, e não somente das empresas de comunicação’, afirmou.
O grande problema de trabalhar com tais conceitos é que os latino-americanos, após tantos anos de ditaduras e posturas patrimonialistas por parte dos empresários, não estão acostumados a debater sobre a democracia, pouco menos sobre liberdade de expressão. Para o professor paraguaio Benjamin Bogado, presidente da Fundación Libre, ‘os modelos teóricos europeus não são suficientes para ajudar na compreensão do que acontece na América Latina’. Há problemas de direitos fundamentais ainda para serem tratados, analisou.
Observatórios
Após um primeiro momento de exposições conceituais sobre o papel dos observatórios de mídia, partiu-se para o relato de experiências. Quatro iniciativas foram tomadas como amostra do conjunto de ações desenvolvidas em toda a região, o Observatorio de los medios, ligado ao Ciespal, no Equador; o Observatório da Mídia Regional: direitos humanos, políticas e sistemas, sediado nas universidades federais do Espírito Santo e de Pernambuco, no Brasil; o Observatorio Nacional de Medios (Onadem), vinculado à Fundación UNIR Bolivia; e o Proyecto Censurado, com sedes nos Estados Unidos e no Chile.
O diretor do Ciespal, Fernando Checa, questionou o motivo que leva os meios a atacarem as atividades dos observatórios, colocando-se como únicos detentores do direito à comunicação: ‘Devemos reivindicar o direito à crítica’. Já a pesquisadora boliviana Vania Sandoval, do Onadem, destacou o papel dos observatórios como pontes entre jornalistas e cidadãos para que se exerça o efetivo direito à informação e à comunicação. Ela frisou ainda que a independência é a melhor garantia para que um observatório tenha credibilidade junto à sociedade.
O professor Edgard Rebouças, coordenador do Observatório da Mídia Regional, mostrou como a pesquisa e a ação devem sempre andar juntas no caminho da democratização da comunicação, e destacou as atividades desenvolvidas no Brasil pelo Observatório da Imprensa, o Observatório do Direito à Comunicação, o Instituto Alana, a campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’ e a Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi).
Para encerrar com um brinde a parte do encontro destinada às experiências, falou o jornalista e militante chileno Ernesto Carmona, uns dos dirigentes do Proyecto Cenrurado, organização que faz acompanhamento crítico da mídia há 35 anos nos Estados Unidos e em vários países. Ele destacou a importância de ações que divulguem os temas que ficam escondidos por trás dos interesses econômicos e políticos dos grandes grupos midiáticos. O exemplo dado foi o anuário Top 25, que revela ao público as principais notícias que deveriam ocupar as capas dos grandes jornais, mas que nunca chegaram a ser publicadas.
Ouvidorias
Outro ponto do encontro de Puebla foi o relato de experiências de profissionais que atuam como defensores ou ouvidores do público em veículos de comunicação. Os casos abordados foram todos mexicanos, como o do jornal Sintesis, do Instituto Mexicano de la Radio, do Canal 22 e da Radio Educación.
O jornalistas Mariano Morales, diretor do Sintesis, destacou em sua fala que não são apenas as empresas jornalísticas que se sentem incomodadas com a autorregulação, mas também os jornalistas. Segundo ele, ‘há sempre a percepção de que aqueles que ocupam espaço na mídia já o fazem por serem éticos e responsáveis’.
Para o mediador Felipe López Veneroni, do Instituto Mexicano de la Radio, a maior preocupação é com a baixa participação dos ouvintes, que basicamente se limitam a reclamações de ordem ‘estética’, sem maiores aprofundamentos. O grande desafio para ele é que, no México, ‘nossa sociedade civil está ainda em formação, falta uma compreensão de que cada cidadão tem uma série de direitos. Depois de muitos anos de um partido único, a sociedade não entendeu ainda que tem o direito de participar’. A saída, segundo Veneroni, está nos processos de educação para a mídia, junto a escolas e movimentos sociais.
O defensor dos telespectadores do Canal 22, André Dorcé, concorda que é preciso haver uma reeducação da audiência para mostrar seu papel de participação nos meios de comunicação. O que foi complementado pelo defensor do ouvinte da Radio Educación, Ernesto Villaneuva, ao propor que haja programas específicos de crítica da mídia, tendo citado como bom exemplo, o caso do Observatório da Imprensa, no Brasil, que utiliza a internet, o rádio e a televisão para levar temas sobre a mídia para o grande público.
Manifesto
O último dia do Encontro Internacional de Observatórios de Mídia e Defensores de Audiências na América Latina foi marcado por reuniões de interrelações metodológicas e temáticas e pela proposta de criação de uma rede de observatórios.
Alguns temas transversais como eleições, violência, consumo infantil, conteúdos (jornalismo, telenovelas e música), precariedade profissional na mídia e representações da mulher já poderão ser objeto de observações comparativas a partir dos próximos meses.
Ao final do evento foi assinado o Manifesto de Puebla, criando a Rede de Observatórios da Mídia e Defensores das Audiências de Nossa América, organização aberta a adesões e com o simples objetivo de garantir a democratização da comunicação e a efetiva liberdade de expressão para toda a sociedade. Leia a íntegra abaixo.
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Manifesto de Puebla
Rede de Observatórios da Mídia e Defensores das Audiências de Nossa América
A informação e a comunicação são direitos humanos universais que implicam o direito a informar e a ser informado devidamente.
A informação não pertence aos poderes formais ou informais, nem aos meios de comunicação ou aos jornalistas, mas sim ao público.
A informação de qualidade serve para que as audiências formem uma opinião livre e independente, e, com base nisso, poderem tomar as decisões mais adequadas.
A difusão das informações está concentrada nos órgãos de comunicação, que se tornaram controladores da opinião pública. Para além de vigilantes dos poderes constituídos, tornaram-se um poder a mais na sociedade, o que faz com que precisem ser vigiados pelos cidadãos para que cumpram sua responsabilidade social.
Observatórios de mídia e os defensores das audiências são espaços para a participação cidadã e o fortalecimento da liberdade de expressão.
Eles são uma ferramenta destinada a melhorar a qualidade das deliberações democráticas; para isso, intervêm propositivamente no trabalho da mídia, impulsionando-a constantemente a melhorar os seus níveis de desempenho na coleta, criação, produção e difusão da informação, com ética e profissionalismo. Além disso, os Observatórios de mídia e os defensores das audiências também se ocupam de detectar e denunciar qualquer tipo de limitação, ameaça ou ataque à liberdade de expressão.
Observatórios de mídia e os defensores das audiências fornecem elementos aos cidadãos para decodificar as informações midiatizadas a partir de uma visão crítica, contextualizada e analítica dos sucessos, fracassos e dos interesses de poder que lhes são subjacentes.
Eles têm como objetivo estratégico fundamental desenvolver o pensamento crítico sobre as mensagens da mídia, a fim de alcançar uma relação mais equilibrada entre o público e meios de comunicação, melhorar a qualificação dos comunicadores, contribuir para a formação de futuros profissionais do setor e a formação crítica das audiências.
Para atingir seus objetivos, os Observatórios de mídia e os defensores das audiências realizam atividades de pesquisa, desenvolvem metodologias, processos pedagógicos e de capacitação. Também assessoram atividades de comunicação, entendendo-as como atividades intelectuais de grande influência sobre o desenvolvimento democrático das sociedades contemporâneas.
Eles reivindicam o direito de criticar a mídia, colaborando com a construção da cidadania e a participação social.
Os defensores de audiências servem como um guia para conhecer as reivindicações da sociedade, explica as razões e os critérios para a elaboração de conteúdos específicos e faz recomendações aos meios de comunicação para que melhorem suas práticas em função de posturas éticas.
Tais instâncias servem ao público não apenas para dar conhecimento de valores e critérios éticos que devem reger os meios de comunicação, mas também para desmistificas os processos midiáticos em geral.
Por tudo o que foi exposto:
Aqueles que assinaram esse documento, reunidos na cidade de Puebla (México), entre os dias 12 e 14 de maio de 2011, concordaram em formar a Rede de Observatórios de Mídia e Defensores das Audiências da Nossa América como um espaço de diálogo, aprendizagem, intercâmbio e melhoria de suas atividades, regidos por critérios transparentes e democráticos.
Assinam a fundação da Rede:
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Centro de Investigaciones Jurídicas, Universidad de las Américas en Puebla**
Ciudadanos en Medios. Democracia e Información, A.C.**
Defensor de las Audiencias de la Radio Educación**
Defensor del Televidente del Canal 22**
Fundación Libre**
Fundación para la Libertad de Expresión – Fundalex**
Mediador del Instituto Mexicano de la Radio – IMER**
Observatorio Ciudadano por la Equidad de Género en los Medios de Comunicación**
Observatorio de los medios, Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina, CIESPAL**
Observatório da Mídia Regional: direitos humanos, políticas e sistemas**
Observatorio Nacional de Medios – Onadem**
Periódico Sintesis**
Programa de Monitoreo de Medios de Difusión, Foro de Periodistas de Argentina**
Proyecto Censurado – Latino América******
Professor da Universidade Federal do Espírito Santo, coordenador do Observatório da Mídia Regional e diretor de Relações Internacionais Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom)