O atraso de praticamente dois meses na publicação do decreto que convocará oficialmente a Conferência Nacional de Comunicação (CNC) tem assustado organizações e movimentos sociais envolvidos no processo. A Conferência foi anunciada pelo presidente Lula em janeiro, durante o Fórum Social Mundial realizado em Belém, depois de intensas pressões por parte do campo de entidades que lutam pela democratização da área.
Vencida a batalha da decisão política do governo em prol da realização da CNC, a expectativa das entidades era de que a convocação oficial sairia em pouco tempo. Esta era reforçada pelo fato de haver uma sinalização clara de que a etapa nacional deveria ocorrer em dezembro em Brasília, prazo já era considerado apertado caso o início oficial do processo ocorresse entre fevereiro e março.
Dias depois do anúncio do presidente da República, representantes da Casa Civil, da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria de Comunicação Social do governo fedreal (Secom) e do Ministério das Comunicações (Minicom) se reuniram com a Comissão Nacional Pró-Conferência de Comunicação (CNPC), rede que reúne as organizações mobilizadas em defesa desta bandeira desde 2007, para discutir a realização do evento.
No encontro foram apresentadas propostas de calendário e discutidos os próximos passos na organização da iniciativa. Na ocasião, os representantes da CNPC destacaram a importância de disparar imediatamente o processo. Em nova reunião realizada no dia 10 de fevereiro, representantes da CNPC apresentaram proposta de tema, objetivos, calendário e composição da comissão organizadora nacional que deveria conduzir politicamente a Conferência ao consultor jurídico do Minicom, Marcelo Bechara.
‘Depois dessa última conversa, o governo se comprometeu em publicar o decreto em duas semanas, no dia 18 de fevereiro, e até agora nada, nem sequer uma satisfação aos membros da Comissão. Esse atraso de quase dois meses é injustificável e atrapalha a organização de todas as etapas do processo, previsto para se encerrar em dezembro. A maioria das Conferências tem mais de 12 meses para se estruturar e a nossa já sai com um déficit de quatro meses’, reclama Carolina Ribeiro, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
A assessoria de comunicação do Ministério das Comunicações foi procurada pela reportagem do Observatório do Direito à Comunicação para dar uma posição sobre a publicação do decreto, mas não retornou até o fechamento desta matéria. Também procurada, a assessoria da Casa Civil informou que ela aguarda assinatura do presidente Lula, mas que não há previsão ainda de quando ocorrerá a publicação.
Demora prejudicial
Para José Sóter, coordenador-geral da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), esta demora não tem razão de ser. ‘A sociedade já está preparada para a realização da Conferência Nacional da Comunicação; os empresários das telecomunicações e da comunicação social, os movimentos sociais, o poder público, todos já estão convencidos da necessidade da Conferência. Apenas alguns recalcados defensores da `liberdade de empresa´ em detrimento da liberdade de imprensa é que andam fazendo manifestações contrárias, mas de quem anda chamando a ditadura de `ditabranda´ não se pode esperar coisa melhor’, afirma.
A redução do tempo útil para organização das etapas estaduais e nacional é o que preocupa Augustino Veit, representante da Campanha Ética na TV, outra organização integrante da CNPC. Para Veit, a Conferência tem o importante papel de popularizar a discussão sobre a área das comunicações, o que nunca foi feito no país. ‘A organização da Conferência tem que ter tempo suficiente para que as discussões ganhem capilaridade na sociedade, como, por exemplo, esclarecer que os meios de comunicação são uma concessão pública e que o público não pode ficar alheio às mudanças do marco regulatório deste setor.’
O representante da Campanha Ética na TV teme ainda que com esse atraso a Conferência não seja realizada esse ano, ficando para 2010, ano de eleições para a presidência da República e para os governos estaduais. ‘A pretensão é que a Conferência Nacional de Comunicação saia esse ano porque o próximo ano é ano eleitoral, e sabemos que isso inviabiliza um processo deste tipo porque a sociedade vai se envolver nas eleições’, alerta. O prolongamento do processo no próximo ano, acrescenta, seria prejudicial, pois não ‘interessa que a Conferência aconteça sem a atenção e o envolvimento por parte da população’.
Rosane Bertotti, representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na CNPC, acredita que a CNC vai ser realizada ainda este ano e que a demora é resultado de uma falta de habilidade de negociação do governo para encaminhar os trâmites burocráticos. ‘Como esta é uma questão ligada ao Ministério das Comunicações, cabe a ele encaminhar o mais rápido possível esse processo. Já está mais que na hora dessa Conferência sair e a CUT está insistindo nisso. O Minicom deve se esforçar ao máximo para garantir que essa Conferência seja realizada e com toda estrutura que ela merece’, defende Bertotti.
Composição da Comissão Organizadora
Algumas entidades têm receio de que o atraso na publicação do decreto esteja ocorrendo em razão de negociações do governo com o empresariado do setor acerca da composição da Comissão Organizadora que irá conduzir o processo. ‘Sabemos que o setor empresarial de comunicação é historicamente tratado pelo poder público numa relação privilegiada. Imaginamos que o atraso na publicação do Decreto se deve, em parte, em função de negociações do governo com os empresários’, afirma Carolina Ribeiro.
Para o pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom) Fernando Paulino, seria uma atitude indesejada do governo definir por uma composição da Comissão Organizadora que não reflita o caráter plural da sociedade com representantes dos profissionais, organizações da sociedade civil, entidades acadêmicas, profissionais, empresários e organizações não-governamentais. ‘Apenas com essa multiplicidade na organização e nas etapas da Conferência será possível alcançar as bases necessárias para um novo marco institucional e normativo da comunicação no Brasil que expresse os reais interesses do seu povo.’
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Do Observatório do Direito à Comunicação