Os piores erros podem acontecer nos melhores jornais, e editores públicos deveriam analisar padrões em vez de se concentrar em incidentes específicos, defende o ombudsman do New York Times, Byron Calame [26/3/06]. Mas um caso específico ocorrido na semana passada, diz ele, merece destaque individual.
O Times estampou em sua primeira página da edição de 11/3 um perfil do homem identificado como um dos símbolos da violência e abusos cometidos por soldados americanos contra prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib, entre 2003 e 2004. Ali Shalal Qaissi, hoje um ativista pelos direitos de prisioneiros no Iraque, dizia ser o homem que aparecia em uma foto emblemática divulgada por jornais, revistas, emissoras de TV e sítios de internet pelos quatro cantos do mundo. Na imagem, o então prisioneiro está encapuzado, em pé em cima de uma caixa e com fios que passam por seus braços estendidos.
Logo após a publicação do perfil de Qaissi, a revista online Salon questionou a veracidade da história contada pelo iraquiano. O Times se comprometeu a investigar e posteriormente publicou uma retratação, admitindo que havia identificado o homem errado.
Situação embaraçosa
Calame afirma que erros acontecem, mas aponta falhas primárias que levaram à situação embaraçosa sofrida por um dos mais importantes jornais dos EUA.
A primeira delas diz respeito à checagem de informações. ‘Quando alguém que alega ser a pessoa por trás de um símbolo tão poderoso será exposta na primeira página do Times, é necessário um cuidado extraordinário’, diz o ombudsman. A pesquisa era simples, e a resposta estava nos arquivos do próprio Times. Em um artigo de maio de 2004, o diário identificou corretamente o homem na fotografia emblemática como Abdou Hussain Saad Faleh. O subeditor da seção internacional, Ethan Bronner, disse a Calame que editores fizeram a tão básica pesquisa nos arquivos, usando diversas palavras-chave. Segundo ele, os editores agora se dão conta de que deixaram passar o artigo de maio de 2004 porque uma das buscas continha os termos ‘Abu Ghraib’, ‘caixa’ e ‘capuz’, e o texto original não continha a palavra ‘capuz’.
Calame repetiu a pesquisa e encontrou dois artigos do ano passado que afirmavam que o homem da famosa fotografia fora apelidado de ‘Gilligan’ pelos guardas americanos em Abu Ghraib. De acordo com o texto de 11/3, Qaissi conta que seu apelido era ‘Clawman’. ‘Os apelidos contraditórios, parece-me, deveriam ter levado a pesquisas mais intensivas e levantado uma bandeira de alerta’, diz o ombudsman.
Outra falha do Times surgiu logo após a publicação do artigo original. Duas organizações de direitos humanos procuraram o jornal para refutar a informação contida no texto de que seus pesquisadores teriam afirmado que ‘acreditavam’ que Qaissi era o homem na fotografia. A nota dos editores admitindo o erro realmente confirmava que, ‘enquanto [os pesquisadores] disseram que [Qaissi] poderia ser aquele homem, eles não afirmaram acreditar que ele era’. No entanto, na primeira resposta do jornal aos questionamentos da Salon, três dias após o primeiro artigo, a editora de internacional, Susan Chira, reiterou que os pesquisadores teriam dito que acreditavam na identificação de Qaissi. Segundo Calame, ninguém do jornal checou novamente a informação com os pesquisadores. ‘A checagem deveria ter sido feita para prevenir o contínuo uso de informações erradas’, ressalta.
Uma terceira falha também incomodou Calame. A decisão do Times de acreditar na palavra de Qaissi foi ‘influenciada’, admitiu Bronner, pela existência de reportagens parecidas publicadas anteriormente pela revista Vanity Fair e pela rede pública PBS – que não haviam sido, em nenhum momento, questionadas. Estas influências, entretanto, não foram mencionadas na primeira resposta do jornal, no dia 14/3, após ser questionado pela Salon. ‘Leitores da história original, acredito eu, mereciam saber que fontes secundárias influenciaram o Times a aceitar os argumentos de Qaissi’, conclui.