A matéria mais destacada e mais apelativa da primeira página da Folha de S.Paulo de domingo (26/8) foi o especial ‘Melhores hospitais de SP segundo os médicos’, pesquisa com a chancela do Datafolha.
Não cabe questionar aqui a validade estatística da pesquisa (‘inédita’, segundo o jornal), nem o ranking por ela produzido, mas cabe refletir sobre um gênero de jornalismo perigosamente próximo da publicidade e hoje praticado sem qualquer pudor por grandes e pequenos veículos.
Com algumas matérias assinadas por repórteres da equipe permanente, outras por colaboradores contratados e a maioria simplesmente creditada à ‘Reportagem local’, o caderno de 22 páginas tem tudo para parecer um produto eminentemente jornalístico.
Não é. Todos os anúncios são de empresas ligadas à indústria de saúde, o que denota a origem do projeto: ele não saiu da Redação, como uma prestação de serviços ao leitor; foi gerado no departamento de publicidade, para aumentar o faturamento.
As matérias são corretas, mas a pauta foi concebida para atender a clave promocional, ‘tudo maravilha’. O único título em que aparece a palavra ‘morte’ refere-se aos pronto-socorros da rede pública. A única matéria crítica sobre o serviço hospitalar (tema do caderno) é sobre o Hospital do Câncer, que é público. A outra refere-se aos planos de saúde, mas a visão crítica é soft, oferecida pelos médicos entrevistados e não pelos usuários – o que certamente resultaria numa matéria com altíssimo teor de indignação.
O leitor ganhou? Pouco. De nada lhe adianta saber qual é o melhor hospital de São Paulo se o seu plano de saúde, como costuma acontecer, o encaminhar a outro, da segunda linha.
O jornal ganhou? Pouco. Num sábado ou dia útil, com uma tiragem menor, a despesa poderia empatar com a receita. O ônus da aposta neste tipo de projeto é incalculável. Paga-se um preço alto pela opção de esmagar o assunto principal, jornalístico (‘Brasil vira paraíso de megatraficantes’), com uma foto promocional, desmedida, no alto, aberta em toda a largura da primeira página.
A Folha não mentiu, apenas criou um factóide. Pelo menos, não foi beneficiada pelo dinheiro do contribuinte.
Senso moral
CartaCapital fez praticamente a mesma coisa em sua edição de 22/8, na qual anunciou o início de nova atração jornalística, ‘Retrato do Brasil’, primeiro da série de cadernos sobre energia denominado ‘O colossal Brasil’. Diferencia-se da Folha na origem da publicidade – é toda chapa-branca, isto é, paga com o dinheiro da viúva (BNDES, Caixa Econômica, Petrobras, Eletropaulo, prefeituras de Santo André e Guarulhos). A coisa vai render: neste ano sairão mais seis cadernos e em 2008 a freqüência será mensal (‘sem excluir a possibilidade de que possa ser apressada’).
Como negócio, em teoria, muito melhor do que o da Folha. Como fato político-jornalístico, desastroso. Mostra que o carro-chefe da imprensa alternativa não se diferencia da chamada grande imprensa. Ao contrário: usa os mesmíssimos métodos e com o dinheiro da viúva.
O leitor da revista perceberá o trambique? Claro que não: as duas páginas contra o Grupo Globo (págs. 14-16, em cima do anúncio das novas atrações) acalmam o seu senso moral. E seguirá em frente, todo lampeiro com mais esta comprovação de que os fins justificam os meios.