‘Estou praticamente trancada em casa. Não saio mais na rua. Quando arrisquei ir até ao mercado, teve gente que parou e me perguntou se eu era a `puta´ do YouTube.’
A edição da Folha de S.Paulo sexta-feira (30/10) explica:
‘São palavras da universitária de 20 anos que protagonizou o tumulto na faculdade Uniban, em São Bernardo do Campo, na quinta-feira [22/10]. Na ocasião, a estudante, chamada pelas amigas pelo apelido de `Loirão´, foi ao campus com um vestido curto que foi encarado como `provocação´ por vários colegas. Por causa disso, ela foi hostilizada e ameaçada fisicamente, como demonstram diversos vídeos que circulam na internet. Sem apoio dos seguranças da faculdade, ela precisou ficar trancada dentro de uma sala e só saiu de lá escoltada pela polícia. A Uniban prometeu apurar o caso.’
Os dois maiores jornais da capital paulista noticiaram a agressão sofrida pela estudante universitária com atraso. A notícia circulou antes na web, onde apareceu o vídeo com a agressão e provocou debates nos sites de relacionamento.
O Estado de S. Paulo (30/10), a propósito desse caso, recordou outro, mais antigo:
‘O quase linchamento da universitária da Uniban, nesta semana, não é um caso sem precedentes. Em 2006, a divulgação, na internet, de fotomontagens criadas para mostrar uma estudante da Fundação Eurípedes Soares da Rocha (Univem) de Marília, no interior paulista, na cama com dois homens, forçou a jovem, então terceiranista de Direito, a se refugiar numa sala de aula para escapar da fúria de outros alunos. Ela só pôde sair escoltada pela Polícia Militar. Assim como na Uniban, o tumulto só foi desfeito depois de a PM usar gás de pimenta.’
Será que não mudou nada?
Se não é possível acusar os jornais de omissão – afinal, noticiaram – é perfeitamente justo acusá-los de atraso e falta de sensibilidade para pautas mais ligadas à realidade atual. Uma notícia desse tipo merece desdobramento. Não para saber como a moça vai resolver o problema, se vai ou não processar alguém. Estes são detalhes quase burocráticos. O que interessa mesmo é descobrir e contar aos leitores o que acontece na cabeça desses jovens universitários – uma elite diferenciada do país – que perseguem uma colega devido à roupa que ela usa, ameaçam com violência sexual e agridem verbalmente, chamando-a de ‘puta’.
Os leitores merecem saber o que esperar desses jovens da ‘elite’, que logo serão os responsáveis pelo país. Afinal, das universidades saem os futuros legisladores, administradores, comunicadores. Se eles reagem tão mal à roupa de uma colega, sentindo-se no direito de agredi-la, como reagirão em outras situações? Se eles, que são resultado de anos de liberação sexual, ainda chamam mulheres de ‘puta’ quando querem ofender, como encaram a liberdade sexual feminina? Será que não mudou nada? Será que um simples caso de mau gosto na escolha das roupas pode levar ao desrespeito?
Julgamento preconceituoso e perigoso
É verdade que a moda hoje não favorece muito as mulheres. Elas recebem informações truncadas quanto ao que é erótico, discreto ou elegante. É verdade que nas vitrinas fica difícil encontrar roupas de bom gosto, principalmente para quem não tem dinheiro para compras em butiques de luxo. Mas é verdade também que as jovens ficam sem referência na hora de saber o que é ou não é de bom gosto.
Revistas de moda, programas de TV e novelas mostram o corpo feminino indiscriminadamente, sem explicar às pobres leitoras e telespectadoras que aquelas roupas só ficam bem em mulheres muito magras, altas e com porte de modelo. E aí as desavisadas, como a estudante universitária agredida pelos colegas, se metem em vestidinhos sumários e pensam que vão fazer sucesso. Quando os colegas – trogloditas, como qualificados um comentário na web – revelam o seu lado mais sombrio, os jornais ficam chocados e noticiam.
Talvez fosse o caso de tentar revelar o que pensam os jovens de hoje: são apenas conservadores ou a violência é uma forma de comunicação?
Fica também um compromisso para as revistas de moda: explicar melhor o uso de certos trajes em certas ocasiões. Mostrar – talvez com modelos mais baixinhas e mais gordinhas – o efeito que determinadas roupas podem acarretar. Explicar, também, que a aparência – cabelos, maquiagem, roupas – são o primeiro item que os outros julgam.
Sair do padrão, especialmente quando se trata de mulher jovem, é sempre muito arriscado. A mídia, que usa e abusa da imagem de mulheres liberadas, pouco vestidas e disponíveis, deveria também ensinar e alertar para o julgamento preconceituoso e, eventualmente, perigoso.
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Jornalista