Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Exemplo de litigância de má-fé

 

O trabalho do site Congresso em Foco tem sido prejudicado por dezenas de ações judiciais, após a publicação de uma série de reportagens, em 2010, que revelaram os nomes de servidores do Senado que receberam salários acima do teto constitucional (R$ 26,7 mil), no ano anterior.

Os servidores que entraram com ação contra o site alegam que tiveram sua intimidade e privacidade invadidas após a publicação de seus ganhos nas matérias do Congresso em Foco.

Se condenado em todas as ações, o site terá de pagar quase R$ 1 milhão, valor que afirma não ter. As audiências começaram na semana passada e, em quatro dias, 20 ações foram analisadas.

Imprensa conversou com Sylvio Costa, diretor do Congresso em Foco.

O que motivou os processos contra o Congresso em Foco?

Sylvio Costa– Tudo começou após a publicação da série de reportagens “Supersalários”, realizada pelo jornalista Eduardo Militão. As matérias falavam sobre os servidores que receberam salários acima do teto salarial. Segundo apuração isso acontece nos três poderes. Entretanto, Militão conseguiu ter acesso a uma lista do TCU com os nomes dos servidores do Senado que tinham ultrapassado o valor máximo do teto salarial. Ao todo eram 464 servidores com salários acima dos R$21,8 mil. Algumas dessas pessoas chegavam a receber salários em torno de R$45 mil. Antes de publicarmos a lista de nomes nas matérias, consultamos o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fábio Konder Comparato, e outros professores da área. Todos foram unânimes de que a publicação da lista não traria problemas legais, pois havia documento provando a veracidade das informações.

Qual o papel do Sindicato dos Servidores do Legislativo nessas ações contra o site?

S.C. –Assim que as matérias foram publicadas, o Sindicato dos Servidores do Legislativo iniciou dois processos judiciais contra o Congresso em Foco. As ações visavam censurar o site, com a retirada do conteúdo, bem como evitar qualquer nova publicação dos 464 nomes citados nas reportagens. Além disso, o Sindicato incentivou os servidores a entrarem com ações individuais no juizado de pequenas causas. Ao todo, 43 funcionários acataram a indicação do Sindicato. O interessante é que todas as ações têm o mesmo texto e conteúdo, bem como foram realizadas pelos mesmos advogados.

Na semana passada, foram realizadas 20 audiências de conciliação e cinco delas foram encerradas – três por não comparecimento dos requerentes e duas porque os processos não descreviam a ofensa geradora da reclamação. Além disso, Ruitemberg Nunes Pereira, juiz do 6º juizado especial cível, determinou que todas as ações deverão ser unificadas em uma só vara e levadas a seu conhecimento.

Qual o teor das ações?

S.C. –Nenhuma das ações contesta a veracidade das informações publicadas nas reportagens, mas sim o direito de divulgar publicamente o salário dos servidores. Todos alegam ter seu direito à privacidade ferido. Entretanto, o Congresso em Foco entende que esses direitos não foram feridos, pois apenas divulgamos uma lista pública, mostrando como os recursos do Estado estão sendo mal utilizados. Basta lembrar que o TCU publica em suas nomeações os nomes e o piso salarial das categorias dos servidores. Houve um caso parecido em São Paulo em que o prefeito Gilberto Kassab publicou os salários e uma servidora contestou. Neste caso, o Superior Tribunal Regional (STR) acatou como certa a publicação por parte do prefeito, por ser uma informação pública. Esperamos que aqui vejam da mesma forma.

O Congresso em Focoacredita ser absolvido nessas ações?

S.C. –Esperamos não sermos condenados num assunto de natureza pública. O fato é que, se formos condenados, teremos que pagar R$1 milhão, mais as custas dos advogados. E não temos esse dinheiro. Se isso acontecer, teremos que fechar o site.

Ainda é difícil saber o que vai acontecer. Nosso advogado demonstra muita confiança, especialmente porque não ferimos nada do ponto de vista jornalístico ou legal. Por essa razão, esperamos que a Justiça acate a ponderação de entrar com essas ações em conjunto e na vara cível, e não no juizado de pequenas causas. Se isso acontecer e provarmos que estamos certos do ponto de vista legal, podemos encerrar a ação por sucumbência e os autores seriam levados a pagar todos os nossos gastos com esses processos.

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[Vanessa Gonçalves, do Portal Imprensa]

 

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Má-fé em foco

Editorial reproduzido da Folha de S.Paulo, 8/2/2012

A litigância mal-intencionada prolifera no Brasil porque não é levada a sério. Ninguém se peja de multiplicar chicanas para postergar decisões judiciais ou constranger a outra parte num processo.

Eis o que sente na carne, agora, o serviço jornalístico pela internet Congresso em Foco. Uma série de ações movidas por indissimulável má-fé busca cercear seu esforço de dar transparência ao que se passa nas entranhas do Legislativo.

Nada menos do que 43 ações individuais foram apresentadas por servidores do Senado contra o portal em juizados de pequenas causas. Pediam indenização de R$ 21,8 mil para cada funcionário litigante, sob a desculpa de que sua privacidade fora invadida pela publicação da lista de seus proventos.

Na realidade, a página Congresso em Foco deu divulgação, em agosto, a uma relação preparada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) com 464 nomes de funcionários que recebiam salários acima do teto constitucional (R$ 26,7 mil). A minoria que abriu os processos segue orientação do Sindilegis (Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do TCU).

As 43 ações são idênticas e foram propostas por uma só advogada, mas distribuídas para vários juízes. Os sete jornalistas do serviço tiveram de desdobrar-se para comparecer às 27 audiências realizadas desde 31 de janeiro.

É evidente a intenção de criar dificuldades práticas e financeiras para o portal. O Sindilegis e seus liderados reeditam a tática maliciosa empregada pela Igreja Universal do Reino de Deus – sem sucesso – contra a Folha e a jornalista Elvira Lobato, autora de reportagem que desagradou à sua cúpula.

Seis das 43 ações contra o Congresso em Foco foram encerradas, por ausência dos queixosos ou porque o juiz decidiu pela improcedência. É pouco provável que outros magistrados deem seguimento a uma manipulação tão impudente.

Não faz sentido o argumento dos servidores públicos de que a publicação – releve-se a redundância vocabular, por eloquente – de seus salários atente contra a privacidade. Mais: é óbvio o interesse público de dar a conhecer que recebem valores acima do teto legal.

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que divulgar relações de vencimentos de servidores, como fez a Prefeitura de São Paulo, não apenas é legal como obedece ao princípio constitucional da publicidade de atos oficiais.

São fúteis as ações contra ele, como as dos funcionários do Senado. Cumpre aos juízes rechaçá-las.

 

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