Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falando para as moscas

A Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA), que representa principalmente os grandes produtores rurais, tem dedicado boa parte de seus esforços de mobilização e de lobby a combater a ação de legisladores e organizações ambientalistas no sentido de controlar a expansão de atividades predatórias sobre o patrimônio ambiental. A entidade não apenas dá apoio a parlamentares que tentam abrandar o Código Florestal, mas também financia boa parte das campanhas de mídia contra os defensores do meio ambiente.


São comuns os bate-bocas entre a principal representante do agronegócio no Congresso Nacional, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. A musa da motosserra e o ministro dos coletes coloridos fazem um duelo à parte no cenário político, marcado mais por declarações de efeito do que por ações efetivas.


Nesta semana, porém, a CNA de Kátia Abreu tentou dar um passo mais ambicioso em seu esforço para influenciar a opinião pública contra os ambientalistas. Promoveu um evento de nome pomposo para tentar dar uma tintura mais científica aos seus movimentos corporativos. E apresentou, como estrelas maiores do Fórum Internacional de Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento Agropecuário e o Respeito ao Clima, dois dos mais notórios críticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – o estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg e o climatologista americano Patrick Michaels.


Teorias conspiratórias


Os dois adversários da tese oficial sobre as causas do aquecimento global não são reconhecidos exatamente como cientistas de primeira grandeza – ganharam espaço na mídia justamente por se contraporem à constatação de que a ação humana é em grande parte responsável pelos problemas que afetam o planeta.


Foram tratados como celebridades por seus patrocinadores, mas praticamente ignorados pelos jornais brasileiros. Apenas a Folha de S.Paulo lhes deu algum espaço. O Globo ignorou sua presença no Brasil e o Estadão, que costuma apoiar as manifestações dos ruralistas, apenas registrou o evento em uma nota curta, observando que um deles, Patrick Michaels, admitiu ter recebido dinheiro de consultoria para empresas de petróleo e carvão.


A imprensa parece ter descoberto, afinal, onde está a verdade e de onde nascem certas teorias conspiratórias que pululam na internet.


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O circo no tribunal


Circula na internet um vídeo, com supostas imagens de agressões ao jovem Alexandre Nardoni, condenado em primeira instância pelo assassinato de sua própria filha, Isabella. O enunciado da mensagem afirma que ele teria sido atacado por outros detentos nas instalações de segurança onde se encontra recluso desde 2008.


Trata-se apenas de mais um vírus eletrônico, que certamente vai contaminar muitos computadores de internautas tão insensatos quanto ávidos por notícias sobre o crime hediondo.


Esse é apenas um dos efeitos colaterais do grande circo armado pela mídia em torno do caso. Outra conseqüência, que começa a ser levada a sério pelos jornais, é a possível nulidade do julgamento.


Armada com uma lei já extinta, que concedia o direito de novo júri no caso das condenações a penas superiores a vinte anos de prisão, a defesa de Nardoni e de sua mulher, Anna Carolina Jatobá, ganhou novo argumento para requerer outra oportunidade: uma das juradas, a arquiteta Syomara Camargo, concedeu entrevista à TV Record, declarou ter votado pela condenação do casal, disse acreditar que todo o júri daria o mesmo voto e comentou ter considerado justa a pena imposta aos dois.


Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo consideram irresponsável a atitude de jornalistas que abordam jurados e admitem que a ação dos meios de comunicação contaminou desde o início a imparcialidade do júri.


O papel da imprensa em episódios como esse está longe de ser uma unanimidade.


Na terça-feira (30/3), o Observatório da Imprensa na TV vai abordar o carnaval midiático montado antes e durante o julgamento dos assassinos da menina Isabella. Jornalistas e juristas convidados vão debater a instituição do júri popular em contraposição ao julgamento por magistrados qualificados. Às 23h, ao vivo, pela TV Brasil, em rede nacional. Em São Paulo, pelo Canal 4 da Net e 181 da TVA.