Nas grandes comoções, quando a curiosidade se acopla à solidariedade, a imprensa torna-se verdadeiramente investigativa. Nestes raros momentos, jornalistas e leitores compartilham os mesmos impulsos.
A tragédia do vôo AF 447, interrompido no meio do Oceano Atlântico, vem combinada a um espesso mistério. Se acontecesse em terra, teria testemunhas, a perícia nos destroços seria imediata. No meio do mar, sem qualquer pista sobre a exata localização do desastre, sem o desesperado diálogo entre os pilotos, a imprensa mundial só pode trabalhar com hipóteses.
A caixa preta aqui não é retórica, não é uma esperança, sua ausência é um ponto final. Como escreveu na quinta-feira (4/6) Eugênio Bucci no Estado de S. Paulo (pág. A-2, ver aqui), o preito às vítimas não se faz através do silêncio, mas através de palavras. E através das palavras, discretamente, começa a filtrar-se uma hipótese.
Mistérios insondáveis
Os especialistas começam a mencionar a intensificação das tormentas aéreas e o gigantismo dos sistemas de cúmulos-nimbos (CB) altamente eletrificados em determinadas rotas.
As mudanças climáticas começam a ser cogitadas como vilãs. No entanto, o aquecimento global foi praticamente excluído do noticiário sobre as enchentes no Norte-Nordeste e sobre a seca que assola a Argentina e o sul do Brasil.
As duas ocorrências são extraordinárias, inclusive pela simultaneidade, porém a mídia insiste em ignorar as drásticas alterações no meio ambiente. Embora cada veículo tenha o seu ‘ecochato’, o ambientalista de plantão, encarregado de chamar a atenção do público para os perigos ambientais, raramente são ouvidos.
Diariamente desfilam na TV lindas ‘meteorologistas’ lendo as previsões do tempo, porém incapazes de relacionar os fenômenos correntes com as grandes e lentas mutações planetárias.
A mídia sabe cultivar os insondáveis mistérios, mas detesta encarar os inequívocos perigos cotidianos.