Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Feminismo depois do carnaval

Desfilar seminua, rebolar com gestos eróticos, tentar se impor apenas pela sexualidade é uma conquista feminina ou o máximo da submissão? Esse seria um bom tema para discutir nesse no Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, que neste ano caiu na terça-feira de Carnaval. Em meio às fotos dos desfiles e o destaque para as mulheres mais bonitas, mais famosas ou menos vestidas, os jornais reservaram espaço para discutir nada mais nada menos do que feminismo.

O caderno ‘Feminino’ do diário O Estado de S.Paulo dedicou duas páginas ao tema (‘Feminismo, ontem e hoje’) e começa afirmando:

‘O movimento, que muitos pensam fazer parte do passado, segue atuante e tem atraído novas gerações de militantes. Para especialistas, a luta pela igualdade de direitos continua – mas os desafios são outros.’

A antropóloga e socióloga Lia Zanotta Machado, autora do livro Feminismo em Movimento, é quem fala dos novos desafios, entre os quais destaca o aborto:

‘Existe um pensamento em comum, nas classes média e baixa, de que quando se trata de uma pessoa próxima e cujas razões são conhecidas, o aborto é aceito. Mas é preciso pensar nas demais mulheres que, por circunstâncias afetivas, sociais e econômicas, não podem levar a gestação adiante’.

O segundo desafio a ser vencido, diz a antropóloga, é a participação das mulheres na política:

‘Segundo a organização internacional União Interparlamentar, num ranking de 180 nações, o Brasil ocupa o 144º lugar em relação à presença feminina nos parlamentos. Nesse âmbito, o fato histórico de termos uma mulher na presidência e mais ministras produz um efeito de desnaturalização do espaço masculino no poder’.

Acesso a direitos

Mas o grande desafio mesmo é diminuir a diferença entre as mulheres mais ricas e as mais pobres, diz outra entrevistada do jornal, a psicóloga Nalu Faria, coordenadora geral da Sempreviva Organização Feminista:

‘O acesso aos direitos não chega a todas as camadas. No Brasil, as mulheres são as mais pobres, em particular as negras e rurais. Temos só 52 mulheres em cada 100 que estão no trabalho assalariado.’

A luta da Marcha Mundial das Mulheres, que ela integra, é por ‘um salário mínimo mais digno, que impacte de forma positiva a vida dessas mulheres’.

Junto como o salário digno, vem a luta contra a violência doméstica, ainda um problema grave: a cada 15 segundos, uma mulher é vítima de agressão no Brasil. Embora a Lei Maria da Penha tenha tornado o tema mais público, é importante trabalhar no âmbito da prevenção.

‘A violência, fruto da relação de poder, não acontece de uma hora para outra. Começa com o controle, o isolamento e a desqualificação da mulher, que se sente fragilizada, com baixa autoestima e economicamente dependente.’

Tomara que após o Carnaval – que, como diz o antropólogo Roberto da Matta, ‘é o rito que libera, deseja, solta’ – e com a volta da presidente Dilma Rousseff de seu retiro com a família numa área restrita e protegida de câmeras fotográficas, os jornais abram espaço, a partir do Dia Internacional da Mulher, para discutir o feminismo, suas conquistas e, o mais importante, o que ainda falta para fazer para que todas as mulheres tenham pleno acesso aos direitos que lhe são garantidos.

******

Jornalista