A revelação feita pelo jornal O Estado de S.Paulo no domingo (1/7), e reproduzida na segunda-feira (2) pela Folha de S. Paulo, sobre fraudes no sistema de presença da Câmara Municipal da capital paulista não parece ter causado qualquer preocupação adicional entre os vereadores.
As declarações colhidas pelos repórteres após a constatação demonstram que os envolvidos e os supostos responsáveis, como o presidente da casa, não estão nem mesmo preocupados em apresentar uma justificativa razoável. Eles sabem que não haverá consequências graves. No máximo, um ou dois funcionários serão transferidos para postos menos visíveis. E um novo assunto haverá de distrair a atenção da imprensa em poucos dias.
O esquema revelado pelo Estadão, e comprovado por meio de imagens, acontece a dois metros da cadeira do presidente da Câmara, onde um painel de uso exclusivo dos parlamentares é manipulado por assessores da mesa diretora.
O próprio jornal acaba contribuindo para que a irregularidade não alcance os vereadores, ao apontar um funcionário – vulgarmente chamado de Zé Careca –, como “chefe” do esquema, quando o faro jornalístico mandaria investigar um pouco acima na escala hierárquica, por exemplo, a dois metros de onde está instalado o equipamento usado nas fraudes. Tendo um Zé Careca à mão para assumir a responsabilidade, não há por que os vereadores ficarem preocupados.
Debates ausentes
De acordo com as normas da casa, os parlamentares que se ausentam das sessões em plenário sofrem um desconto de R$ 465 na folha de pagamento a cada falta. O fenômeno que se reproduz na Câmara Municipal de São Paulo é que, mesmo com o plenário vazio quase todos os dias, ninguém perde dinheiro.
Segundo juristas consultados pelo jornal, se o vereador tem seu nome registrado no painel mas não está fisicamente no plenário, todos os atos legislativos aprovados podem ser considerados nulos. Teoricamente, a prática pode ser considerada crime e quebra de decoro parlamentar, o que sujeitaria os vereadores a ter o mandato cassado, com a suspensão dos direitos políticos. Mas todos sabem que nada disso vai acontecer.
No dia 20 de junho, quando os repórteres do Estadão começaram a registrar o funcionamento do sistema de fraudes na Câmara Municipal da capital paulista, o quórum falsificado deu validade a nada menos do que 18 propostas votadas no plenário, que se tornaram lei.
Se houvesse uma investigação que de fato comprovasse que estavam ausentes muitos dos parlamentares cujos votos foram levados em conta, muitas dessas decisões teriam que ser revertidas. Pessoas ou instituições que se sentissem prejudicadas por uma lei municipal poderiam requerer na Justiça a anulação da lei, com base na premissa de que a votação foi fraudada. Mas tanto os vereadores como a imprensa sabem que a possibilidade de isso vir a ocorrer é praticamente nenhuma.
A sociedade não parece se importar com o que acontece na Câmara Municipal. Trata-se de um poder esvaziado, ocupado por parlamentares sem qualquer vínculo com os interesses da cidade, muitos deles eleitos por serem nomes conhecidos, celebridades do esporte ou da mídia ou profissionais do assistencialismo e do quebra-galho.
Há décadas não acontece ali um debate sobre planejamento urbano ou disputas em torno de projetos realmente relevantes porque, com raríssimas exceções, não há interessados. Além disso, já não existem as organizações comunitárias de base que em outros tempos compareciam às galerias para bater panelas.
Sistema desgastado
A política municipal se movimenta apenas em períodos eleitorais, quando os vereadores empenhados em seguir na carreira tratam de assegurar seus nomes nas chapas de candidatos e garantir suas quotas nas verbas de campanha. Depois das eleições, as reuniões para ajuste de interesses acontecem longe do plenário, e tudo se acomoda.
Quando um jornal – como no presente caso fez o Estadão – resolve verificar como anda a rotina do parlamento municipal, é fácil encontrar irregularidades, mesmo porque, conforme ficou comprovado na reportagem, os participantes e beneficiários nem estão preocupados em dissimular.
E não se diga que se trata de fato isolado na capital paulistana. O desgaste do sistema representativo pode ser observado em praticamente todas as instâncias, com o desaparecimento das diferenças entre os partidos e a dissolução da política na massa dos interesses particulares.
E se algum representante do Ministério Público quiser mexer no esquema, sempre haverá um Zé Careca para assumir a culpa.