Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

BRASIL E FRANÇA
Clóvis Rossi

Quem topa o boletim?

‘SÃO PAULO – Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer mesmo mais eficiência no gasto público, tal como pediu ao ministro do Planejamento, ouso sugerir que copie iniciativa do presidente francês Nicolas Sarkozy.

O hiperativo Sarkozy acaba de introduzir o que se poderia chamar de boletim escolar para 15 ministros.

Trata-se de uma avaliação de desempenho a ser elaborada conjuntamente por altos funcionários públicos e uma firma privada de auditoria, com base, segundo o jornal ´Le Monde´, em 30 critérios.

O ministro da Cultura será julgado, por exemplo, pela cota de mercado que a produção cinematográfica francesa conseguir conservar ou ampliar. Justo, não? Se Gilberto Gil fosse cobrado por esse critério, certamente seria mais exigente com a qualidade da produção cinematográfica brasileira quando os produtores solicitassem financiamento oficial, certo?

Outro critério, este para a ministra da Educação: a nota dependerá da porcentagem de alunos que prosseguem os estudos a partir do primeiro ano da faculdade. Alô, alô, Fernando Haddad, você sobreviveria a esse teste se aplicado às universidades federais do Brasil?

Aliás, seria o caso de os governos estaduais, pelo menos, também serem avaliados de acordo com o nível de deserção escolar, já que o ensino básico e médio é responsabilidade estadual e, em menor grau, municipal.

Se Lula topar o desafio, teria uma vantagem: entre seus amigos e apoiadores está um auditor de prestígio, Antoninho Marmo Trevisan, que, em tese, levaria para o ´boletim de notas` dos ministros critérios menos mercantilistas.

A lógica do processo é cristalina: ´Os ministros, como os outros, devem prestar contas´, diz Laurent Wauquiez, porta-voz do primeiro-ministro François Fillon.

Contas ao presidente mas também ao público.’

 

ESTRANGEIRISMOS
Ruy Castro

Palavras proibidas

‘RIO DE JANEIRO – Uma comissão da Câmara aprovou por unanimidade (ou seja, sem ler) o projeto do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) banindo os estrangeirismos em voga no Brasil e obrigando sua substituição por equivalentes da língua portuguesa. Se o projeto for aprovado pelo Senado, significa que Aldo Rebelo passará a ditar como Millôr Fernandes, Carlos Heitor Cony, Luis Fernando Verissimo e todos nós poderemos escrever.

Fico imaginando se Aldo Rebelo tivesse imposto sua novilíngua no século 19. Constaria apenas das palavras portuguesas e, quem sabe, indígenas. Isso quer dizer que ficaríamos privados da contribuição negra ao nosso vocabulário, já que muitos dos africanos trazidos como escravos eram estrangeiros, de nações fora do domínio colonial luso.

Angu, balaio, balangandã, banzé, banzo, batuque, berimbau, bugiganga, bunda, cachaça, cachimbo, caçula, cafuné, calombo, cambada, camundongo, candomblé, careca, cochilo, dengo, engambelar, fubá, jiló, macambúzio, mandinga, marimbondo, minhoca, mocotó, moleque, muamba, muxoxo, quitute, samba, senzala, tanga, vatapá, xingar, zumbi. Estas são apenas algumas palavras que viajaram nos porões dos navios e não seriam permitidas. Para Aldo Rebelo, só valeriam as que viessem no convés, faladas pelos brancos.

O nacionalismo tem suas virtudes, uma delas a de não se sujeitar a ser imposto por uma penada -exceto na Albânia, país dos amores do deputado. De fato, o brasileiro tem abusado do inglês em suas estratégias de marketing (olha ele aí) e fachadas de lojas. A cafonice impera. Mas a língua possui lógica própria. Só conserva o que o povo quer, e essa definição leva tempo.

Aldo Rebelo já fez melhor. Em 2005, graças a ele, o governo Lula instituiu o dia 31 de outubro como o Dia do Saci Pererê.’

 

ROUBO NO MASP
Marcos Augusto Gonçalves

Masp estatal

‘FURTOS de obras de arte não acontecem apenas em museus cercados de precariedades, como o Masp. Não é, portanto, ´apenas` o sumiço das telas de Picasso e Portinari que justifica uma discussão acerca dos destinos do museu paulista.

O patético episódio, no entanto, não deixa de oferecer uma oportunidade para intensificar um debate que se trava aqui e ali, sem que nada de concreto aconteça. Circula pela internet um abaixo-assinado que sugere uma mudança radical do estatuto do museu. A proposta já foi firmada por nomes relevantes do meio artístico e intelectual.

O texto começa por constatar o fato de o Masp ser, há tempos, uma ´instituição enferma, sem recursos e sem direção profissional´.

Tal situação é atribuída ao arranjo institucional em que se inscreve o museu: ´O problema a ser atacado de frente é de ordem institucional, pois, deste ponto de vista, o Masp é uma aberração: não sendo uma fundação, não dispõe de dotação original; não sendo, por outro lado, um museu do Estado, não é amparado por lei orçamentária. O mais importante museu de arte do hemisfério Sul é uma sociedade civil de direito privado, constituída por algumas dezenas de associados que não contribuem para a manutenção de sua associação´.

Considerando que o patrimônio foi formado também ´por um aporte oriundo da Caixa Econômica Federal, vale dizer, do Estado brasileiro´, e que a sociedade em questão não parece reunir condições para arregimentar os recursos exigidos, os signatários consideram necessária uma ´intervenção dos poderes públicos` que venha a colocar o Masp em sua esfera. A favor da idéia, o texto lembra casos de sucesso da gestão pública da cultura em São Paulo, como a Pinacoteca do Estado, a Osesp e o Museu da Língua Portuguesa. A senha para a mudança seria a previsão de que o prédio projetado por Lina Bardi passará à prefeitura em 12 de novembro deste ano.

A proposta soa como uma tentativa desesperada -o que é compreensível- de encerrar um ciclo de decadência. É um sinal de que a sociedade culta de São Paulo já não suporta a indigência do museu. É difícil discordar do diagnóstico, mas é também difícil imaginar como essa intervenção poderia ser realizada. Talvez Evo Morales pudesse dar uma ajuda. Na realidade, seria preciso a falência ou um gesto da sociedade que administra o Masp -o que é difícil acontecer.

Parece sensato imaginar que o museu deveria se inscrever num regime público-privado que assegurasse os meios necessários não apenas à sua preservação mas ao seu desenvolvimento. A continuar a ser gerido como nos últimos anos, o Masp, que poderia e deveria ser uma instituição de ponta, provavelmente prosseguirá em seu melancólico declínio.’

 

Folha de S. Paulo

Abaixo-assinado pró-intervenção no Masp já conta com 650 assinaturas

‘É grande a pressão pela intervenção pública no Masp, 15 dias depois do furto de duas obras do acervo do museu -um Picasso e um Portinari. Um abaixo-assinado lançado há uma semana por Luiz Marques, ex-curador do museu, pede a transferência da instituição para a esfera pública e já conta com a adesão de 650 pessoas, a maioria acadêmicos e artistas.

O Masp é gerido por uma sociedade privada, mas seu acervo -avaliado em R$ 1 bilhão- é tombado pelo Estado. Além de problemas de segurança, o museu tem uma dívida estimada em R$ 14 milhões.

Apesar da pressão, nem todos os signatários do manifesto acreditam ser viável uma intervenção no museu. Claudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, diz que ´legalmente não tem como [intervir]´.

Entretanto, ele e Marques concordam que é preciso aproveitar que vence em novembro a cessão do edifício onde o museu está instalado -o prédio de Lina Bo Bardi pertence à prefeitura. ´A associação não possui uma sede. Já é meio caminho andado para entender que os poderes públicos estão mais próximos desse acervo do que a gente imagina´, diz Marques.

O advogado Fábio Konder Comparato, professor aposentado da USP, também signatário do manifesto, defende que o acervo seja desapropriado. ´As obras que são do Masp são de interesse público. O Masp está gerindo algo que não é dele.´

Segundo a Folha apurou, a Secretaria Municipal da Cultura não considera seriamente essa alternativa, visto que o valor do acervo do museu é muito alto e o processo, burocrático e demorado demais.

O curador do Masp,Teixeira Coelho, considera que estatizar o museu seja ´andar um pouco na contramão´. ´O que precisa é haver um entendimento sobre a participação do Estado nessa questão´, diz ele, que há um ano e meio ocupa o cargo que ficou vago por quase dez anos. A assessoria de imprensa da diretoria do Masp, procurada, disse que o presidente do museu, Julio Neves, só se manifestará na próxima semana.’

 

Mônica Bergamo

Depois do roubo

‘O Masp está tomando providências para a reabertura na próxima terça-feira. Uma câmera de vídeo foi instalada numa parede lateral do prédio, perto de uma porta onde já houve uma tentativa de arrombamento. Algumas salas ganharam sensores sonoros, que emitem sons quando o visitante chega perto de uma obra. A porta de vidro do térreo agora tem cadeado.’

 

PIRATARIA
Folha de S. Paulo

Apreensão de CDs e DVDs piratas avança 21% no país

‘O número de apreensões de mídias piratas cresceu 21% em 2007 ante o ano anterior, diz a APCM (Associação Anti-Pirataria Cinema e Música). Foram 36 milhões de CDs e DVDs apreendidos no país no ano passado.

Embora o combate tenha se intensificado, o mercado de produtos piratas também se expandiu. A APCM estima que, a cada dez DVDs no Brasil, seis sejam piratas.

A associação aponta o barateamento de aparelhos como o gravador de DVD e o avanço da venda de computadores como principais causas do aumento da pirataria.

Tiago Aguiar, advogado da APCM, afirma que a pirataria aumentou muito nos shoppings populares, em que os produtos falsificados são vendidos em estandes, mas identifica a diminuição da pirataria em espaços públicos de São Paulo como largo da Batata (zona oeste) e largo Treze de Maio (zona sul).

O advogado disse que ações conjuntas com os órgãos que emitem licenças para o comércio ajudaram a combater a atividade ilegal. ´Estamos tentando envolver não só a polícia, mas também os órgãos administrativos.´

Na internet, a APCM diz que em 2007 saíram do ar 55 mil links de filmes e músicas e 15 mil arquivos ´peer-to-peer` (ponto a ponto).’

 

LIVROS
Eduardo Simões e Mario Gioia

Apostas literárias

‘Reedições de obras de Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto e Machado de Assis são alguns dos principais destaques de um levantamento que a Folha fez com as maiores editoras do Brasil para saber em que títulos irão investir mais fichas em 2008.

No caso de Amado, cujas obras completas passam a ser publicadas neste ano pela Companhia das Letras, os primeiros relançamentos estão marcados para março, quando saem ´Capitães da Areia´, ´Dona Flor e Seus Dois Maridos´, Mar Morto` e ´A Morte e a Morte de Quincas Berro D´Água´, além de uma antologia de artigos do escritor baiano e o infantil ´A Bola e o Goleiro´.

A Companhia das Letras também lança, em junho, os dois primeiros livros da série ´Amores Expressos´. Os autores ainda não foram divulgados. O projeto consiste em 16 livros de autores brasileiros novos e veteranos que viajaram para 16 cidades do mundo para criar uma história de amor.

Neste janeiro chegam os primeiros frutos da parceria da Nova Fronteira com a Nova Aguilar, iniciada ano passado. Segundo Mauro Palermo, diretor-superintendente da editora, o diagnóstico do estado de fotolitos, estoques, contratos e direitos autorais resultou nas reedições revistas das obras de João Cabral de Melo Neto (janeiro), Ferreira Gullar (março), Guimarães Rosa (meados do ano) e Fernando Pessoa.

Best-sellers

Entre as tentativas de emplacar novos best-sellers está ´A Doçura do Mundo´, o novo livro de Thrity Umrigar (´A Distância Entre Nós´), que a Nova Fronteira lança este mês.

A editora Izabel Aleixo acredita ainda em títulos comprados na última Feira de Frankfurt, com temáticas ligadas à guerra, como o livro de memórias ´Notre Guerre: Souvenirs de Résistance` (nossa guerra: lembranças da Resistência), que sai em agosto.

Antes, em julho, Aleixo investe na publicação de outra obra de não-ficção, ´The Shock Doctrine` (a doutrina do choque), de Naomi Klein.

A Record também tem duas grandes apostas de best-sellers: a volta de Lya Luft à ficção com ´O Silêncio dos Amantes´, uma ´obra de apelo muito forte´, segundo a editora Luciana Villas-Boas, que prevê tiragem inicial de 40 mil cópias. E ainda o lançamento simultâneo internacional, em março, de ´Crianças de Grozny´, novo livro de Asne Seierstad (´O Livreiro de Cabul´). ´É a volta dela à Chechênia, onde teve sua primeira experiência como correspondente de guerra´, diz Villas-Boas.

A editora também acredita que as Olimpíadas em Pequim vão atrair o leitor para livros ligados à China. A editora prevê alguns lançamentos, como ´Traves de Bambu` (até julho), ´O Segredo Chinês` (março) e ´O Olho de Jade` (sem data).

A editora Objetiva faz sua maior aposta em ´Família, Eu Amo Vocês´, novo livro do filósofo francês Luc Ferry (´Aprender a Viver´), que sai neste mês na França e em junho no Brasil.’

 

Motoko Rich

Editora tenta criar novo Harry Potter

‘DO ´NEW YORK TIMES` – Com a conclusão da série ´Harry Potter´, a Scholastic, editora responsável por publicar nos Estados Unidos os bem-sucedidos romances de J.K. Rowling, leva adiante planos de uma nova série, chamada ´The 39 Clues´, que terá dez romances (o primeiro chega às livrarias em setembro), jogos na web, cartões colecionáveis e prêmios em dinheiro. O projeto mostra o reconhecimento pela Scholastic de que as crianças se sentem tão fascinadas pela internet e pelos videogames quanto pelos livros.

´Nós queremos procurar as crianças nos lugares em que elas preferem e fazer parte de seu mundo completo, e não apenas de um aspecto dele´, disse David Levithan, diretor editorial executivo da Scholastic. ´Nossa definição do projeto é que ele será subversivamente educativo´, completa.

A série será dirigida a leitores com idades entre 8 e 12 anos e oferecerá romances de mistério sobre a história de uma família secular, os Cahill, supostamente o clã mais poderoso do mundo. Figuras históricas famosas, como Benjamin Franklin e Mozart, eram membros da família.

A trama gira em torno da corrida de dois jovens Cahill, Amy, 14, e Dan, 11, contra outros ramos da família para encontrar a primeira das 39 pistas que levam ao poder absoluto.

Rick Riordan, autor dos bem-sucedidos romances da série ´Percy Jackson` -de tom mitológico, dirigida a pré-adolescentes-, escreveu o primeiro dos títulos da nova série, ´The Maze of Bones´, e delineou a linha narrativa dos nove volumes seguintes.

Os livros sairão em intervalos de dois a três meses, e a editora já contratou Gordon Korman, autor de ´Swindle` e ´Schooled´, dirigidos a alunos do ensino médio, para o segundo volume. Peter Lerangis, autor de livros nas séries ´Spy-X` e ´Watcher´, responderá pelo volume três, e Jude Watson, que escreveu sobre aventuras anteriores à trama de ´Guerra nas Estrelas´, cuidará do número quatro.

A série também representa o esforço da Scholastic para criar uma marca sobre a qual ela detenha todos os direitos. Rowling controla os direitos sobre a série ´Harry Potter´, o que significa que ela pode negociar contratos de cinema e licenciamento por conta própria, sem dividir o dinheiro com a editora.

Tradução de PAULO MIGLIACCI’

 

José carlos Avellar

Biografias seguem Oscarito e Otelo do circo até o cinema

‘É como se tudo tivesse começado em 1935, ano de ´Cidade Maravilhosa´, de André Filho, e do samba de Carnaval ´Implorar´, de Moreira da Silva.

Nesse mesmo ano, Oscarito e Grande Otelo apareceram juntos pela primeira vez no cinema, ´Noites Cariocas´, produção da Cinédia, direção de Enrique Cadicamo.

O aparecimento quase simultâneo de duas biografias -´Oscarito – O Riso e o Siso, de Flávio Marinho, e ´Grande Otelo -Uma Biografia´, de Sérgio Cabral- estimula o leitor a se aproximar destes dois artistas, assim como eles permanecem na memória do espectador de cinema: como a dupla que começou a se formar em 1935.

Na verdade, Oscarito atuou em quase 50 filmes, e Grande Otelo em pouco mais de cem -e mais que cinema, fizeram circo e teatro. Passear pelas duas biografias permite ao leitor descobrir o quanto eles fizeram isoladamente, antes, durante e depois dos trabalhos em que atuaram lado a lado. E descobrir o quanto suas histórias, muito diferentes entre si, possuem pontos em comum: o começo ainda criança no circo, o amadurecimento no teatro e a popularidade nos filmes da Atlântida.

1935, lembra Sérgio Cabral: Otelo chegou ao Rio num domingo de Carnaval. Vinha de São Paulo, com a Companhia Teatral de Jardel Jércolis. Tinha 18 anos. Era conhecido por Pequeno Otelo, pseudônimo com que se apresentava desde os sete anos de idade, em circos e teatros e na Companhia Negra de Revistas a partir de 1926.

Um novo nome

Com o término da Companhia Negra, ficara internado num colégio e então apenas começava a voltar ao teatro na Companhia de Jardel Jércolis, que teve a idéia de batizá-lo de ´The Great Otelo´. O nome era o do personagem de Otelo no espetáculo ´Gol!´, que estreou em 31 de maio de 1935. O pseudônimo veio do filme ´The Great Gabo´, de Von Stroheim.

Nasceu assim o pseudônimo que iria consagrar Sebastião Bernardes de Souza Prata antes mesmo que ele tivesse uma certidão de identidade. Foi só em 1939, porque precisava de um documento para assinar um contrato com o Cassino da Urca, que Sebastião, nascido em 1917 em São Pedro de Uberabinha, ´tirou uma certidão de idade no Rio de Janeiro e resolveu que este seria o seu nome´.

1935, lembra Flávio Marinho, foi muito importante para Oscar Lorenzo Jacinto de la Imaculada Concepción Teresa Diaz, ´primeiro, porque nascia, em agosto, a sua filha querida, Miryan Thereza. Depois, porque marcava o seu encontro profissional com aquele que viria a ser o seu maior parceiro no cinema: Grande Otelo´.

O início da parceria

Quando se conheceram, Otelo ainda não era Grande nem tinha certidão de nascimento; Oscarito não tinha certidão de batismo em português. Natural de Málaga, chegou ao Brasil aos dois anos de idade. Trabalhou no circo também desde os seis ou sete anos.

Muitos filmes depois de ‘Noites Cariocas` (sete de Oscarito; 13 de Otelo), os dois voltariam a se encontrar em 1944 em ´Tristezas Não Pagam Dívidas´, de José Carlos Burle e Rui Costa, produção da Atlântida Cinematográfica.

A parceria esboçada em 1935 e iniciada de fato nove anos mais tarde teve, no final de 1949, o seu grande momento (a paródia de ´Romeu e Julieta` é não só ´um dos pontos altos de ´Carnaval no Fogo` como de toda a história da chanchada´, comenta Flávio Marinho) e simultaneamente o momento mais trágico.

Grande Otelo estava em cartaz com uma peça, ´Está com Tudo e Não Está Prosa´, de Freire Júnior e Walter Pinto, e filmava ´Carnaval no Fogo` (Watson Macedo, 1950) quando, na manhã do sábado 20 de novembro, sua mulher, Lúcia Maria, matou o filho, Chuvisco, de seis anos e se suicidou.

´Os corpos foram levados para a capela Santa Teresinha, no Campo de Santana, para o velório´, conta Sérgio Cabral. ´Mas todo o elenco de ´Está com Tudo e Não Está Prosa` surpreendeu-se na matinê de sábado quando viu Grande Otelo chegar e dirigir-se ao camarim para mudar de roupa.`

Watson Macedo disse (em 1975) que Grande Otelo foi diretamente do cemitério para o estúdio e que nesse dia ´fez o melhor trabalho de sua carreira, a Julieta de peruca loura e vestido da época` que contracena com o Romeu de Oscarito. Macedo diz que ´o homem que caía em prantos nos intervalos da filmagem era o oposto do ator que entrava em cena, sem a menor marca da tragédia no rosto´.

Cabral lembra que Otelo dizia que a cena não fora filmada em seguida ao enterro, mas numa rápida temporada da companhia de Walter Pinto em São Paulo, poucos dias depois da tragédia. Mas que só conseguiu vê-la 25 anos depois, na antologia ´Assim Era a Atlântida` (Carlos Manga, 1975).

Tom autobiográfico

São duas biografias com um quê de autobiografia. Marinho se move a partir de uma lembrança de ´Os Dois Ladrões` (Carlos Manga, 1960), que viu quando criança. Cabral escreve a partir da sensação de que o conhecimento da história de Otelo ´renova as esperanças em um Brasil melhor´.

Ele, que já admirava o artista, passou a admirar também esse ´brasileiro que se enquadra perfeitamente nas estatísticas daqueles que são prematuramente condenados à morte, seja pela violência, seja por uma dessas doenças que atingem os que vivem na marginalidade` e que, no entanto, ´encantou o público de nosso país durante quase sete décadas, batendo recordes de participações em filmes e espetáculos. Um artista, em todos os aspectos, genial´.

A biografia de Grande Otelo, mais bem-documentada e estruturada, nasce do elogio à força e à capacidade de trabalho do ator. A de Oscarito, da memória de Flávio e do lamento pela falta de oportunidades depois do fim da Atlântida e pelo não-reconhecimento da genialidade do ator pelos intelectuais.

JOSÉ CARLOS AVELLAR é crítico de cinema, autor de ´O Chão da Palavra´; uma coleção de seus textos está em www.escrevercinema.com

OSCARITO: O RISO E O SISO

Autor: Flávio Marinho

Editora: Record

Quanto: R$ 45 (336 págs.)

Avaliação: bom

GRANDE OTELO – UMA BIOGRAFIA

Autor: Sérgio Cabral

Editora: Editora 34

Quanto: R$ 44 (320 págs.)

Avaliação: bom’

 

TELEVISÃO
Lucas Neves

SBT exibe pancadaria em plena tarde

‘O telecatch está de volta à TV a partir de hoje. Já que Ted Boy Marino e Aquiles, astros das lutas tupiniquins nas décadas de 60 e 70, passaram da idade de subir ao ringue, os sopapos ficarão por conta dos cerca de 70 brutamontes (e de algumas donzelas esquentadas) das ligas norte-americanas Raw e Smackdown, que o SBT passa a transmitir num bloco de duas horas, nas tardes de sábado.

Hoje, para abrir os trabalhos, será exibido um especial de apresentação dos lutadores e das ´tramas` que os interligam, uma espécie de ´o que aconteceu nos capítulos anteriores´. A partir do dia 12, irão ao ar os episódios mostrados na TV americana naquela semana.

Por lá, as transmissões têm boa audiência em canais abertos e pagos, sobretudo na faixa de homens entre 18 e 49 anos (isca de anunciantes). Os programas são o sustentáculo de uma indústria que inclui DVDs, livros, conteúdo para celular, CDs e licenciamentos (bonecos, cinturões personalizados, camisetas etc.) e movimenta US$ 400 milhões (cerca de R$ 700 milhões) por ano.

Nas duas atrações, socos, pontapés e voadoras são pontuados por uma ´mise-en-scène` farta em caretas, trocas de insultos nos bastidores e urros da platéia. A apologia à violência não impediu o SBT de exibir o WWE em plena tarde, ou seja, com classificação livre (liberado para todas as idades).

Em entrevista à Folha, o vice-presidente de mídia da WWE Inc., Shane McMahon, 36 (também lutador ocasional ou, como ele prefere, ´atleta/ superstar´), relativizou o teor agressivo das produções e se referiu a elas como ´séries de entretenimento´. ´Elas têm algo para todos os gostos: luta, novela, show de rock e esporte. Quanto à violência, não é muito diferente de quando você está assistindo a um jogo de futebol e um atleta dá um ´carrinho` para tirar a bola do outro.`

Paralítico

Mas ele reconhece que, não raro, os murros ultrapassam a barreira do ´entretenimento´: ´Um atleta ficou paralítico. Infelizmente, eles se machucam a toda hora´.

Além da disposição para fraturar costelas a torto e a direito, é preciso ter carisma para entrar para as ligas, diz McMahon, da quarta geração do clã a faturar com os ringues. ´Meu bisavô agendava lutas de boxe no Madison Square Garden nos anos 20. Meu avô redirecionou os negócios para o campo da luta livre e criou uma liga regional. Por fim, meu pai fez da WWE uma companhia nacional, na virada da década de 70 para a de 80´, conta ele.

Aqui no Brasil, o plano de investimentos do grupo inclui a abertura de um escritório em São Paulo e, se a audiência responder bem no SBT, um possível ´tour das estrelas´.

WWE – LUTA LIVRE NA TV

Quando: sábados, das 16h às 18h

Onde: SBT’

 

 

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Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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