Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Folha encerra seção sobre educação

Essa era uma redação que eu detestava. Descrever tudo que eu gostaria de estar fazendo em vez de ficar redigindo um conto escolar numa sala abafada.

Por outro lado, falar neste espaço com o público que se interessa por educação tem sido uma experiência gratificante.

Chega ao fim esta temporada e chegam as minhas férias “sine die”, ao mesmo tempo em que esta Folha descontinua a seção Saber.

Espaços dedicados à educação e dirigidos a quem vive esta porção da vida são raros em veículos de grande circulação. São difíceis de perpetuar. Por um lado, o pedagogês e o lobby dos que dependem disso é peso relevante.

Por outro, é – paradoxalmente – um ramo que convida a clichês, generalidades, e simplismos.

Empresários, economistas e políticos latu sensu têm se metido no ramo, depois de perceberem que não há unidade numa área que vai bastante mal. Mundo afora.

Não se trata, portanto, de corporativismo, preguiça ou carreirismo conservador. Muito menos de ideologias retrógradas ou órfãs de uma esquerda antiquada.

É, acima de tudo, a crise vital de um conceito cuja vida útil expirou. A linha de montagem que prepara crianças para serem adultos no tal mercado de trabalho não tem mais lugar. Escolas, universidades e pais não viraram essa chave, porém. Todos sentem o mal-estar de um setor da sociedade que é visivelmente anacrônico, mas as saídas estão ainda vedadas.

Jung dizia que muitas terapias estagnam porque acende-se uma lanterna no escuro mas ilumina-se o lugar errado do bosque.

Na educação tem sido assim. Coloca-se o facho por sobre a reciclagem do professor, a tecnologia na sala de aula, o aumento de horas na escola ou melhor gestão do sistema. Apesar de tudo isto ser obviamente relevante, passa ao largo do cerne.

Estamos em transição, e tempos efêmeros causam perplexidade institucional. Viemos das caixinhas de currículo, disciplinas e mestres exigentes, e estamos rumando para o ensino autopropulsionado, a diluição da importância da estrutura escolar, e o fim das barreiras artificiais que métodos e cartilhas impõem.

Escrevo este último arrazoado aqui com convicção e esperança. Convicção de que expus o âmago das minhas ansiedades e crenças sobre este ramo, fruto de mais de década imerso nestas águas.

Esperança de que tenha servido para algo. Para avivar algumas dormências e instigar a imaginação. Ou fazer com que a passagem de um mundo da educação clássica para esta, contemporânea, tenha um fulgor coletivo dos que se preocupam com os cidadãos que estamos por entregar à vida.

Assim espero. Vou ensaiando lições de casa e redações. O assunto intriga, atrai e merece. Saudações, galera da paideia, saudações.

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[Ricardo Semler é colunista da Folha de S. Paulo e empresário, autor de Virando a Própria Mesa e Você Está Louco (editora Rocco)]