A cobertura da greve dos professores em São Paulo, que durou 34 dias – em março e abril deste ano – seguiu a tendência que o Observatório da Educação vem apontando desde que iniciou a análise sistemática da imprensa escrita, em 2006: o predomínio do ponto de vista do poder público, em detrimento da pluralidade de opiniões sobre as políticas educacionais.
No período, foram identificadas, por meio de clipping eletrônico, 83 menções ao tema, entre reportagens, notas, cartas de leitores e artigos de opinião. Os diários analisados são Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, DCI, Jornal da Cidade de Bauru e A Cidade (Ribeirão Preto).
Os jornais procuraram fazer o mínimo, como indica o grupo das 52 notas e reportagens: 70% das matérias citam apenas dois lados, ou seja, governo e/ou Secretaria de Educação, em contraposição à Apeoesp (embora outros sindicatos paulistas apoiassem a mobilização, os jornais foram unânimes ao tratar a greve da categoria como uma greve da Apeoesp). Nos 30% restantes se encontram notas sem aspas, entrevistas pingue-pongue ou reportagens que ouviram exclusivamente o poder executivo.
Tentativa de deslegitimar os grevistas
No entanto, o aparente equilíbrio quantitativo não se confirma no conteúdo dos textos, fortemente marcado pelo posicionamento político dos jornais frente à greve. Sem apresentar informações consistentes, a motivação da greve foi sinteticamente definida como ‘supostamente por aumento salarial’ e a recorrência do adjetivo ‘esvaziada’ para caracterizar as manifestações e termos belicosos como ‘guerra’, ‘ataque a Serra’ e ‘quebra-quebra’ foram a tônica de toda a cobertura.
Ademais, os infográficos resumidos com as reivindicações da categoria, ou a omissão de temas importantes levantados pelos professores em greve – como a política de bonificação por mérito e a situação dos profissionais temporários da rede – não permitiram aos leitores se informar com profundidade sobre o que estava em jogo na mobilização. Prova disso é o fato de que apenas 7% das reportagens traziam a avaliação de algum pesquisador da área.
Quanto ao sistema de justiça, que também precisa ser mais lembrado na cobertura das políticas educacionais (sendo a educação um direito humano, previsto em normas nacionais e internacionais), foi procurado somente no intuito de deslegitimar os grevistas. Jornais como o Estado deram espaço para questionamentos da legitimidade da greve sem que houvesse algum jurista ou especialista da área para explicar, técnica e objetivamente, o que confere legitimidade ou não a uma mobilização social.
Leitores apoiam professores
Somente 15% das reportagens ouviram professores – para além das lideranças sindicais. É importante lembrar que os sindicatos representam os interesses corporativos, porém cada docente tem opiniões pessoais e é preciso que o público as conheça.
Mas os jornalistas enfrentaram dificuldade para entrevistar professores e diretores diretamente nas escolas. Apesar de revogada a lei da mordaça (dispositivo que impedia funcionários públicos de se manifestarem livremente, leia mais aqui), circulou na internet, durante a greve, um memorando da Diretoria de Ensino Leste 3 orientando os diretores de escola a não falarem com a imprensa. A assessoria de comunicação da Secretaria Estadual de Educação confirmou a autenticidade do e-mail ao Observatório, mas disse na ocasião que a iniciativa partiu da diretoria.
O professorado se expressou com mais força nos painéis de leitores. Curiosamente, das 22 cartas publicadas no período, 15 são favoráveis aos professores. Embora nem todos concordem com o movimento grevista, as cartas são unânimes em apoiar a melhoria das condições para o ofício docente no estado.
Uma exceção na Folha
Os jornais não esconderam seu posicionamento. Destacam-se nove textos opinativos no período: três editoriais e um artigo do Estado, fortemente contra a greve (que o jornal classificava como ‘política’); na Folha, um artigo e dois editoriais também manifestaram a posição contrária do jornal, ainda que um deles ressaltasse que os professores têm razão ao exigir mudanças na política de valorização dos docentes.
A Folha também publicou um artigo da presidenta da Apeoesp, Maria Izabel de Azevedo Noronha, no espaço ‘Tendências e Debates’. O articulista Jânio de Freitas foi exceção ao dizer que o fato de uma greve ser ‘política’ não pode ser usado para condenar a mobilização.
******
Da equipe do Observatório da Educação