A morte do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, no morro que separa Copacabana de Ipanema, parece ter escancarado a presença de diferentes forças e atores sociais em luta nas favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro. Quem insiste em discutir “tecnicamente”, e não politicamente, a questão da insegurança pública afasta-se da realidade dos fatos. Aqui vai uma tentativa de listar forças em confronto. Não “esclarece” nada, apenas indica uma complexidade que não pode ser ignorada.
1. As comunidades e suas associações, que podem estar recuperando legitimidade, representatividade, em áreas sob ocupação policial. A ocupação policial parece substituir vantajosamente, do ponto de vista dos moradores, a ocupação por bandidos sem farda (traficantes) e com farda, ou a evocação dela (milícias, formadas por bandidos de uma categoria bem específica). As associações de moradores sofreram durante vinte anos uma ofensiva do tráfico e das milícias: 1.800 dirigentes de associações do Rio foram mortos ou obrigados a deixar seus territórios. Os lugares vagos foram ocupados por prepostos de traficantes ou de milicianos. Esse fenômeno se estende a outras instâncias, como conselhos tutelares, mas nesse caso mediante a formação de “currais” eleitorais.
2. Os poderes políticos em cujas esferas administrativas se passa o cotidiano da insegurança pública: União, estados e municípios. Sua preocupação primeira não é com a conquista de padrões aceitáveis de segurança, mas com as repercussões eleitorais do noticiário que dissemina a sensação de insegurança. Esses poderes estão em parte infiltrados por bandidos, como mostrou a CPI das Milícias da Alerj.
3. Os contrapoderes políticos nas mesmas esferas. No caso em tela, precipuamente os candidatos ao governo do estado e seus correligionários que pretendem chegar à Assembleia Legislativa ou nela permanecer e fazem oposição a um ou mais dos poderes constituídos (o imbróglio fluminense é infernal: basta dizer que a candidata Dilma Rousseff pedirá votos para Pezão, Garotinho, Lindbergh e Crivella). Forças que são ou se pretendem de esquerda estão nesta categoria, às vezes servindo involuntariamente à direita. E forças de classificação menos nítida, como black blocs e assemelhados (incluem-se aí policiais infiltrados). Não é demais lembrar que nos Estados Unidos os principais encapuzados são da Ku-Klux-Klan.
Opções políticas
4. Os bandidos de diferentes modalidades, cujos recursos cresceram muito no Brasil desde a introdução maciça da cocaína dos cartéis colombianos no mercado fluminense e paulista de drogas ilegais, há 30 anos. Sublinhe-se que isso inclui segmentos das polícias Federal, Civis e Militares estaduais, inclusive grupamentos com alto poder bélico, como o Bope, no Rio, e a tropa de choque paulista conhecida como Rota. Não perder de vista que o mercado ilegal de armas é íntimo associado do tráfico de drogas. Também merece destaque o fato de que num país como o Brasil não se conhece atividade criminosa dissociada da participação ou da conivência policial. Acrescente-se que é antigo o envolvimento de integrantes das Forças Armadas com crimes de toda natureza, desde o contrabando ao tráfico, passando pelo jogo do bicho, a extorsão e o roubo de bens de presos e “desaparecidos” políticos. Sem omitir as falcatruas de intendentes, conhecidas pelo menos desde a Guerra do Paraguai.
5. A indústria da segurança privada, que tem relação umbilical com a sensação de insegurança, nutrida por autoridades e bandidos, por intermédio da imprensa e do “infotainement”.
6. A mídia jornalística ou pseudojornalística, cujo mapa é um espelho da atividade de todas essas forças, mas não um espelho plano, fiel à imagem refletida: um espelho deformado principalmente por dois fatores distintos na superfície e associados na essência: o fato de que as fontes policiais manipulam habilmente os jornalistas ou pseudojornalistas (apresentadores de programas policiais ou de telejornais em que a opinião é usada para encobrir as deficiências da apuração jornalística) e o fato de que os meios de comunicação se regem, em escala poderosa, por opções políticas (interesses mais imediatos, tipo Organizações Globo vs. Anthony e Rosinha Garotinho) e ideológicas (os velhos e indesmentidos interesses de classe). Um fenômeno curioso é que veículos das chamadas Organizações Globo, no início ferozes apoiadores das políticas do secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame (quem fizesse críticas às UPPs estaria dando apoio aos bandidos) parecem estar abandonando o navio, como se vê na manchete do Extra reproduzida abaixo.