Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Formação da rede pública causa polêmica

Após a realização do I Fórum de TVs Públicas, no campo das políticas públicas de comunicação, o governo federal tem se concentrado na formação da TV Brasil. Pelo menos é esse o sentimento das associações de TVs educativas, comunitárias, universitárias e legislativas que estiveram presentes à reunião com representantes do Executivo no final de julho. Apesar de existirem diferenças relevantes nas avaliações feitas por seus representantes, parece haver consenso de que outras questões de interesse do chamado ‘campo público’ de televisão, como a possibilidade de passarem a integrar a chamada televisão aberta com a implantação da TV digital, devem mesmo ficar para um outro momento, podendo, inclusive, não se concretizar.

A reunião aconteceu dois meses depois do I Fórum de TVs Públicas e foi o primeiro momento de discussão institucional entre representantes do governo e as entidades que compõem o campo público. Desde a realização do Fórum, quando o ministro Franklin Martins evitou um posicionamento a respeito dos outros desafios colocados para os setores do campo, não há novidades que não estejam diretamente relacionadas à TV Brasil.

A maior decepção da ABTU – Associação Brasileira de Televisão Universitária, por exemplo, foi a ausência de discussão sobre a questão da digitalização destas emissoras, o que parece não estar no cronograma do governo. Fernando Mário Trezza, presidente da ABCCOM – Associação Brasileira de Canais Comunitários, compartilha da mesma preocupação. ‘Nossa avaliação é positiva pela discussão em si, mas, infelizmente, o debate ficou muito centrado na TV Brasil. Gostaríamos de avançar também para a discussão da TV digital aberta, no sentido de que os canais que hoje atuam apenas na TV a cabo possam encontrar uma maneira de ocupar o espectro aberto com o advento da TV digital, mas não houve espaço para esse debate’.

Segundo Eduardo Castro, assessor do ministro Franklin Martins, a reunião tinha como pauta específica a TV pública nacional, o que não quer dizer, segundo ele, que outras demandas importantes não serão contempladas. ‘Esta reunião foi desenhada para tratar especificamente do relacionamento delas [emissoras do campo público] com a TV Brasil. Nesta semana, o ministro Franklin Martins esteve com o ministro da Educação, Fernando Haddad, e com as universidades públicas federais, falando da situação das TVs universitárias. Passos seguintes estão em estudo’. Para Trezza, das comunitárias, a Carta de Brasília é uma garantia de que estes temas serão tratados. ‘O governo vai ter que debater essas questões porque ele se comprometeu publicamente no Fórum de TVs Públicas’, afirma o dirigente.

Rede Pública

Sobre a formação da TV Brasil e a possibilidade de constituição da rede pública nacional, já existem algumas indicações do governo, sobretudo em relação à composição da programação. Recentemente, em entrevista à Agência Carta Maior, o presidente da Radiobrás, José Roberto Garcez, afirmou que o papel da TV Brasil seria essencialmente editorial, constituindo uma grade nacionalizada de 10 horas. A dúvida sobre se esse período seria composto exclusivamente pela produção da TV Brasil ou se haveria a possibilidade de que programas locais fossem nacionalizados é esclarecida por Eduardo Castro. ‘A programação da TV Brasil será discutida em um Comitê de Programação, do qual farão parte as emissoras que se integrarem à rede pública. Este comitê é que vai definir horários, programas e grade. Entretanto, neste momento inicial, partimos de uma idéia básica de 10 horas (o que pode ser alterado), sendo que esse conteúdo não será exclusivamente produzido pela TV Brasil. Aliás, é nosso desejo que, nas faixas nacionais, haja muito material produzido em vários pontos do país’.

O presidente da Abepec – Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais, Antônio Achillis já havia demonstrado preocupação com um possível engessamento da programação, o que afetaria principalmente grandes emissoras públicas, como a TV Cultura de São Paulo e a Rede Minas, que já produzem algo em torno de 10 horas de programação própria. Para Jorge da Cunha Lima, presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e ex-presidente da Abepec, ainda há a expectativa de diálogo. ‘Até agora, o governo garantiu que a rede pública vai seguir os critérios colocados no Fórum de TVs Públicas. Por enquanto, ficamos incumbidos de fazer uma proposta que deve estar pronta em breve. O que é possível adiantar é que somos favoráveis a uma grade por faixas temáticas (infantil, programas jornalísticos etc.) de acordo com determinados horários’. Ou seja, segundo a proposta da Abepec, a emissora poderia escolher entre reproduzir um programa da grade nacional ou uma produção local, desde que respeitando a faixa temática.

Na proposta do governo, além das dez horas de programação nacional, as TVs dispostas a integrar a rede pública nacional deverão ainda veicular mais quatro horas de programação local e outras quatro de programação independente. Eduardo Castro, da Secom, afirma que haverá incentivos por parte do governo para a produção independente, mas que as TVs locais também poderão assumir a tarefa. ‘A TV Brasil vai organizar um processo de contratação de programas independentes, com editais, em formato que está sendo definido. Ela vai pagar pela realização dos projetos, que serão difundidos nacionalmente. Mas nada impede que as emissoras locais tenham seus próprios mecanismos para chegar ao mesmo fim’.

Outra preocupação presente entre as entidades que compõe o campo público, sobretudo as universitárias, comunitárias e legislativas, é a de que o governo as veria apenas de maneira instrumental, e não como parceiras na formação da rede pública. A idéia de ser tornarem nada mais do que provedoras ou repetidoras de programação tem gerado forte descontentamento e pode, inclusive, forçar alguns setores a reconsiderar o apoio dado ao governo até agora nesta questão.

Adesão das TVs

A possibilidade de que grandes emissoras públicas não venham a integrar a rede por questões políticas relacionadas aos governos locais por enquanto também não foi aprofundada. Por exemplo, ainda é confusa a idéia de que uma TV possa aderir à rede sem, necessariamente, adequar sua programação e, mesmo assim, participar do Comitê de Programação.

No entanto, o que causa maior estranheza é o governo reivindicar a Carta de Brasília na exigência de modelos ‘públicos’ de gestão das emissoras locais e ao mesmo tempo querer indicar os membros tanto do conselho gestor quanto da diretoria executiva (ver matéria). Segundo Castro, ‘para ser integrante pleno da rede (fazendo, por exemplo, parte do Comitê de Programação e beneficiando-se de programas de reaparelhamento para migração digital), a emissora estadual precisa adotar um modelo público de gestão, tal qual proposto pela Carta de Brasília. Aquelas que não se dispuserem a dar esse passo, podem associar-se à rede na programação (fazendo parte do Comitê, inclusive) ou apenas sendo parceira, tendo acesso aos programas’.

De qualquer forma, há pelo menos a promessa de que, mesmo que não haja adesão de algumas TVs locais, a TV Brasil fique disponível para aqueles que não terão acesso imediato à TV digital. ‘A TV Brasil larga com canais analógicos no Rio, Brasília, São Paulo e São Luis do Maranhão. São emissoras que hoje são da Radiobrás e da TVE. Em São Paulo, também teremos canal digital, atendendo à legislação. Nossa expectativa é que muitas emissoras precisem passar por discussões internas antes de aderirem à TV Brasil. O processo será gradual’, afirma Eduardo Castro.

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Do Observatório do Direito à Comunicação