Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo reconhece falhas no caso Lydia Cacho

Por fim, depois de quatro anos de funda indignação, contínuos problemas de
saúde e compreensível desesperança na solução de seu drama, a jornalista e
escritora Lydia Cacho acaba de receber um bom sinal de que o Estado mexicano
ensaia reconhecer suas falhas na condução do episódio todo, iniciado com a
publicação do livro Demonios del Éden, no qual ela denunciava uma extensa
rede de pedofilia e prostituição infantil no país, com base em Cancún,
financiada por dois empresários de origem libanesa, com a cumplicidade de
graduados integrantes do governo e altas autoridades policiais.


Desde então, Lydia, além de um curto período de prisão, vem sofrendo todo
tipo de perseguição oficial e dos próprios acusados, o que inclui processos por
difamação, escutas telefônicas, ameaças à sua integridade física, sabotagens
burocráticas – tudo com o claro propósito de dificultar ao máximo sua vida
particular e sua rotina de trabalho, sobretudo desencorajando-a de continuar
fazendo seu sério e meticuloso jornalismo investigativo.


Agora, em comunicado divulgado à imprensa nacional e internacional, a CNDH –
Comissão Nacional de Direitos Humanos, organismo constitucional autônomo do
Estado mexicano encarregado de velar e prestar contas das violações dos direitos
humanos, informa que encontrou ‘elementos de prova suficientes para inferir que
a jornalista Lydia Cacho foi submetida a ações de tortura ao ser vítima de
sofrimentos físicos e psicológicos que resultaram altamente traumáticos’… Com
base nessas conclusões, a CNDH recomenda aos governadores de dois estados,
Puebla e Quintana Roo, que tomem as devidas providências em relação ao caso,
esclarecendo e eventualmente punindo os abusos cometidos por autoridades
policiais e judiciais.


Confusão, pânico, angústia


De fato, constatou a CNDH depois de analisar de forma exaustiva documentos,
provas e testemunhos, houve graves irregularidades administrativas no caso,
fazendo com que Lydia fosse parada numa estrada, ao volante de seu próprio
carro, sem os devidos trâmites referentes à sua detenção e translado de um lugar
a outro. Durante 20 horas, a jornalista ficou impossibilitada de tomar um
remédio para combater uma renitente pneumonia, enquanto ouvia de seus algozes
brincadeiras do tipo ‘Você sabe nadar?’, levando-a temer que seria jogada no
mar. Pairando no ar também a sempre presente ameaça de estupro, que felizmente
ficou só no susto.


Nesse período, mal acomodada dentro de uma viatura policial, Lydia, insultada
por seus captores, três policiais, privada de comida e água, sofrendo os efeitos
de mudanças bruscas de temperatura de uma região a outra, percorreu l.472
quilômetros – do estado de Quintana Roo ao de Puebla – sem ter a mínima idéia
para onde seria levada e com que finalidade. O estresse causado por tal situação
fez estragos na saúde de Lydia, conforme diagnosticaram depois exames médicos e
psicológicos, provocando na jornalista um estado mental de confusão, pânico e
angústia, condição de que ela ainda se recupera nos dias de hoje.


‘Que se submetam às leis e à justiça’


Embora a CNDH seja um organismo sem poderes executivos ou judiciais, ela
pode, por meio de suas recomendações, fazer andar e até acelerar os mecanismos
oficiais, principalmente na defesa dos direitos humanos quando violados, pois
tem prestígio e força suficientes para tanto. Assim, a CNDH dá, a partir de
agora, quinze dias aos governadores dos dois estados mexicanos para que
respondam aos esclarecimentos solicitados e outros quinze dias para que tomem as
devidas providências. Caso contrário, a CNDH pode fazer público o desrespeito
dos dois estados em relação ao caso de Lydia Cacho.


E antes que os dois governadores e seus aspones se manifestem contra a
atuação da CNDH, se dizendo vítimas no episódio, esta esclarece, no mesmo
comunicado à imprensa, o seu papel no estado mexicano e no caso em pauta:




‘… As recomendações da CNDH não pretendem desacreditar instituição alguma
nem constituir afronta ou agravo a estas ou seus titulares; ao contrário, estão
concebidas como instrumento indispensável nas sociedades democráticas e nos
estados de direito para lograr seu fortalecimento por meio da legitimidade que,
com seu cumprimento, adquirem as autoridades e os servidores públicos ante a
sociedade. Tal legitimidade se fortalecerá de maneira progressiva cada vez que
se logre que aquela ou estes submetam sua atuação às normas jurídicas e aos
critérios de justiça que incluem o respeito aos direitos
humanos…’

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Jornalista e escritor, ex-correspondente de Veja no México e América Central