Está em curso na imprensa brasileira uma conspiração para prejudicar o ex-secretário de Comunicação do governo, Luiz Gushiken. Jornalistas são subornados pelo empresário Daniel Dantas para falar mal do petista. Com essa idéia na cabeça e um ofício na mão, Gushiken pediu ao diretor da Polícia Federal para investigar jornalistas que publicam notícias que o desagradam.
A PF não só confirmou o recebimento do pedido como informou que já há um delegado investigando jornalistas sobre a suposta operação em curso que ‘envolveria escutas ilegais e divulgação de informações falsas, com a finalidade de atingir a honorabilidade’ da pessoa do ex-ministro.
As informações e a correspondência à PF foram divulgadas pelo site Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim.
Gushiken, no governo, era quem lidava com agências de publicidade e comandava a ação dos fundos de pensão: dois campos em que a primeira administração de Lula fez por merecer caudalosas reportagens. O primeiro, pelas altas somas de ‘dinheiro não contabilizado’ que trafegaram pelas campanhas eleitorais e outros esconderijos. O segundo, por meter o governo e a própria PF numa guerra de negócios que envolveu a Telecom Itália, o Citigroup e o Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas. Imagina-se que os resultados do gerenciamento de Gushiken não tenham contribuído para sua permanência no governo.
O objetivo do petista com a divulgação de sua carta eletrônica parece ser unicamente a sua divulgação, já que a sua conhecida proximidade com a Polícia Federal dispensa, certamente, esse tipo de formalidade. Ao expor os nomes dos profissionais, Gushiken pode estar buscando dois objetivos: prevenir-se, cautelarmente, da publicação de fatos que vêm por aí e/ou desestimular jornalistas a escreverem a seu respeito.
O site de Paulo Henrique Amorim informa que, em contato com a PF, a instituição confirmou o recebimento da correspondência que foi encaminhada ‘ao delegado que já investiga as denúncias, e prometeu dar mais informações’.
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Leia o ofício de Gushiken à PF e ao site Conversa Afiada
Indaiatuba, 25 de janeiro de 2007.
Ilmo.sr.
Diretor Geral do Departamento da Policia Federal
Sr. Delegado Paulo Lacerda
Serve a presente para informar o que segue.
Em 28 de setembro de 2006 enviei à Vossa Excelência cópia do oficio 086/2006 – NAE/PR dirigida ao sr. Ministro de Estado da Justiça, sr. Marcio Thomaz Bastos, na qual levantava suspeita de ‘que suposta operação estaria em curso, e envolveria escutas ilegais e divulgação de informações falsas’, com a finalidade de atingir a honorabilidade da minha pessoa.
Ainda no oficio afirmava que ‘como é do conhecimento de Vossa Excelência, não é a primeira vez que isso ocorre e um exemplo desse comportamento ignominioso ocorreu no mês de maio do corrente ano, em que a revista Veja que circulou com a data de 17/05/06, publicou um falso dossiê com diversas contas bancárias, inclusive uma atribuída ao Senhor Presidente da República. Mas não é só. Essa prática nefanda, levada a efeito pelo sr. Daniel Dantas e pessoas a ele ligadas, já vem de longa data, tendo sido realizados atos de espionagem ilegal e violação de sigilo telefônico, feitos pela empresa Kroll Associates, bem como o suborno de jornalistas para que publiquem matérias de conteúdo falso e altamente ofensivo à minha pessoa. A propósito disso, as revistas Veja e Carta Capital, já publicaram matéria apontando que o sr. Leonardo Attuch, da revista IstoÉ, seria um desses jornalistas’.
Daquela data até o dia de hoje, outros fatos têm ocorrido:
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Em 23/08/06 a revista Veja, na coluna ‘Radar’, o jornalista Lauro Jardim redige matéria difamante sobre minha pessoa, cujo desmentido não mereceu espaço em sua coluna, apesar das abundantes provas apresentadas ao referido jornalista sobre o caráter calunioso e inverídico da matéria. Diz a matéria: ‘Gushiken revelou-se requintado… serviu-se de uma garrafa de Grand Vin de Chateau Latour, safra 1994, um tinto apreciadíssimo. Depois, o `China´ acendeu um charuto cubano… Total da brincadeira: 3.500 reais. A conta foi paga em dinheiro vivo’. Frente a tais calúnias já adotei as medidas judiciais cabíveis.**
Em 24 de janeiro de 2007, na revista Veja, o colunista Diogo Mainardi, comentando o assalto que eu e minha família fomos vítimas em 20/12/06, sugere maliciosamente que os recursos financeiros em reais que os ladrões roubaram sofreram sonegação fiscal por ação deliberada de minha parte; sugerindo também que os recursos em dólares roubados na mesma ocasião poderiam alcançar cifras elevadíssimas. É o que está dito na matéria aludida: ‘Quanto? Nos últimos anos, os petistas se acostumaram a lidar com grandes valores, 315.000 dólares? … Por falar em China, quanto ele tinha em Indaiatuba? 3.150.000 dólares?’Em verdade, os recursos roubados têm origem legal, jamais foram objeto de sonegação fiscal. Quanto aos dólares a cifra gira entre US$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos dólares) a US$ 2.700,00 e correspondem às sobras de viagem que fizemos ao exterior, para o qual minha esposa efetivou uma operação em casa de câmbio oficialmente autorizada pelo Banco Central, no valor total de US$ 4.428,00 (quatro mil, quatrocentos e vinte e oito dólares), no dia 08 de novembro, cujos comprovantes encontram-se em minhas mãos. Aliás, o referido assalto se deu três dias após nosso retorno.
As referidas matérias induziram os leitores a uma falsa idéia sobre o meu patrimônio e sua origem. E como minha honra e imagem pessoal foram afetadas, estou tomando as providências cabíveis no âmbito da Justiça.
Se não bastassem os sofrimentos e os traumas terríveis resultantes do assalto e a nossa impotência frente às mentiras e difamações, cuja reparação a posteriori jamais eliminará por completo os efeitos do veneno da calúnia, muitas indagações perturbam o meu espírito: por que razão minha pessoa é alvo de ações difamantes? Existe ação orquestrada, envolvendo empresários nessa ação de demolição da reputação alheia, induzindo jornalistas a matérias equivocadas?
Sr. Delegado,
Estas são observações e preocupações sobre um contexto no qual, infelizmente, minha pessoa e meus familiares somos vítimas de ações pérfidas. E o que é pior, minha intuição é que estas ações tendem a continuar, porque me parecem articuladas, possivelmente em face dos desafetos gerados e de grandes interesses contrariados quando exerci a função de Ministro de Estado, razão pela qual solicito a adoção de medidas policiais cabíveis considerando os termos do ofício já aludido de 28/09/06.
Atenciosamente, Luiz Gushiken
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Qual é o seu medo, senhor Luiz Gushiken?
Leonardo Attuch (*)
# copyright Consultor Jurídico, 28/1/2007Há dezessete anos, resolvi optar pelo jornalismo. Não foi, propriamente, uma opção econômica. Era um ideal. Não fazia planos de enriquecer, nem de ganhar nada imerecidamente.
Não sei há quantos anos o senhor Luiz Gushiken optou pela política. Imagino que faça muito tempo.
Do meu lado, sempre atuei na iniciativa privada, onde o mérito é aferido pelo esforço e pelo talento. Trabalhei nos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas, bem como nas revistas Veja, Exame, Istoé Dinheiro e Dinheiro Rural. Dediquei-me a relatar fatos. Apurar, investigar, entrevistar, escrever.
Gushiken dedicou sua vida à luta pelo poder. Sindicalista profissional, sempre atuou na órbita do dinheiro público, estando na oposição ou no governo.
Nossos destinos se cruzaram quando Gushiken, na posse de um cargo público, envolveu-se numa disputa privada. E, a meu ver, decidiu agir contra um grupo econômico, o Opportunity, de forma arbitrária e alheia às suas atribuições governamentais. A partir de então, passei a contar com a sua antipatia.
De volta da Itália, nesta semana, fui surpreendido com uma carta do ex-ministro ao delegado Paulo Lacerda, pedindo que a Polícia Federal investigue jornalistas que escrevem notícias que não lhe agradam – e ele cita meu nome, de forma nada lisonjeira. Gushiken se imagina vítima de uma conspiração contra a sua honra. E age preventivamente.
Minha viagem à Europa, de fato, foi produtiva. Acompanhei o andamento das investigações que se desenrolam na Procuradoria de Milão sobre uma quadrilha formada por vários espiões ligados à Telecom Italia, com ramificações no Brasil.
Mais de 20 pessoas já foram presas por lá. E essa quadrilha italiana, batizada de ‘tiger team’, atuou intensamente no Brasil durante os anos de 2004 e 2005. A partir da confissão de um dos espiões, Marco Bernardini, os procuradores descobriram que a quadrilha fez pagamentos ilegais a políticos, a policiais e até mesmo a jornalistas brasileiros. Coisa de US$ 2 milhões. É isso que relato num artigo publicado nesta semana na Istoé.
O dinheiro passava pela empresa Business Security Agency, com conta no Barclay´s Bank. Isso, no contexto da disputa pelo comando da Brasil Telecom, um litígio empresarial que sempre despertou grande interesse do ministro Luiz Gushiken e envolve as empresas Telecom Italia, Opportunity e Citibank, além dos fundos de pensão.
O ex-ministro, que no governo respondeu pelas tortuosas áreas de publicidade oficial e de fundos de pensão, pediu a Lacerda que investigue os jornalistas ‘subornados’ pelo empresário Daniel Dantas, do Opportunity, sem que jamais tenha exibido qualquer evidência ou mesmo indício de ‘suborno’. Mas Gushiken enxerga um ardil. E dessa trama sinistra nasceriam ataques à honra do ex-ministro.
Gushiken, hoje fora do governo, solicitou essa investigação preventiva quando ainda estava no Núcleo de Assuntos Estratégicos, um órgão que faz parte da estrutura da Presidência da República. Ou seja: ele pediu a ação do braço armado do governo contra um jornalista quando ainda estava em pleno exercício do poder. E o fez, coincidentemente, uma semana após as primeiras prisões na Itália. Tão grave quanto o pedido esdrúxulo é o fato de Paulo Lacerda acatá-lo. Ao que parece, já está em andamento uma investigação sobre os jornalistas que incomodam Gushiken.
O ex-ministro fala em suborno. Cita jornalistas e as revistas Veja e Carta Capital. Confunde fatos e inverte os papéis de vítima e agressor.
É ele quem deve explicações à Justiça. É ele quem foi um dos 40 denunciados no processo do mensalão pelo procurador-geral da República. Segundo Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, algumas contratações milionárias das agências publicitárias de Marcos Valério aconteceram por ordem direta de Gushiken. E houve ainda o caso das misteriosas cartilhas.
Mas não foi Gushiken a pessoa acossada pela Polícia Federal petista nesses últimos anos. Fui eu. Em 2004, no calor da Operação Chacal contra as empresas Kroll e Opportunity, ousei dizer que não se tratava de uma mera ação policial. Escrevi que estávamos diante de um takeover empresarial com participação ativa e pesada do governo brasileiro – e isso, os fatos confirmaram. Além do mais, as notícias que vêm da Itália revelam farta distribuição de dinheiro sujo.
É espantoso que um ministro de Estado – afinal foi nessa condição que Gushiken escreveu ao diretor da PF – tenha a ousadia fazer uma denunciação caluniosa para intimidar jornalistas. Para desgosto de alguns, não vivemos na China comunista nem na Cuba castrista.
Mas afinal de contas: de que Gushiken tem medo? Por que procura já a Polícia Federal e não a Justiça, quando vier – e se vier – a ser difamado? Aliás, difamá-lo jamais foi meu propósito.
Que intenção eu teria de ofender uma pessoa tão enredada em investigações? Nenhuma. É claro que gostaria de contribuir para que os fatos relativos ao ‘caso Brasil Telecom’ e todos os subornos – exatamente todos – sejam esclarecidos. E gostaria até de debater esse tema, publicamente, com Gushiken.
É triste ver alguém tão bem sucedido na luta pelo poder, com tanta experiência na vida pública, querer criminalizar um profissional. Isso não é tolerável no Brasil contemporâneo. E é também ineficaz. Há vários outros jornalistas, corretos e ainda mais competentes, em busca da verdade. Talvez já estejam até em Milão.
(*) Jornalista e autor do livro A CPI que abalou o Brasil
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Diretor do Consultor Jurídico