No mês de novembro de 2011, a mídia noticiou “saliências” entre variações ou mesmo reduções nos índices oficiais de homicídios produzidos por órgãos de governo das unidades federativas (Secretarias de Segurança Pública da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo) e os índices oficiais de “Mortes Violentas por Causas Indeterminadas” produzidos pelo governo federal (Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde –Datasus).
Entre 2000 e 2007, por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro, de acordo com números oficiais locais, apresentaram quedas significativas nos índices de homicídios [respectivamente, de 42.1 para 15.0 e de 50.9 para 40.1 (índices por 100 mil habitantes) –fonte: Correio Braziliense (27/11), “Brasil”, página 10]. Se for considerado cada efetivo populacional de um milhão de habitantes em São Paulo, a evolução dos seus índices de homicídios (2000-2007) implicaria uma redução de 271 mortes anuais nesse milhão de habitantes. No Rio de Janeiro (no mesmo período de 2000-2007) a redução teria sido de 108 mortes para cada milhão de habitantes.
Considerando que o estado São Paulo em dezembro de 2007 contava com uma população de 39,8 milhões de habitantes e o do Rio de Janeiro 15,4 milhões (fonte: IBGE, Comunicação Social, 14 de novembro de 2007 – www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/) teria havido uma redução de quase 10.800 mortes em São Paulo e de quase 1.700 no Rio de Janeiro, considerando o final do período (“série histórica” em linguagem estatística) 2000-2007.
“Sensação de segurança”
Sem levar em conta a diferença de população entre os dois estados (a paulista, 2,6 vezes maior), a redução total de mortes em São Paulo poderia ser considerada “espetacular”. Ela corresponderia a mais de seis vezes, em números brutos, à redução ocorrida no Rio de Janeiro. O que parece “bom demais” para ter ocorrido “tão silenciosamente”. A estranheza de tal “silêncio” está no fato de que grandes mudanças na “sensação de segurança” sentida pela população dos dois estados seria algo público e notório. Mais estranho ainda esse “silêncio”, em tempos de reconhecida crise e clamor público por mais segurança pública. O próprio “silêncio da mídia” a esse respeito é emblemático do “silêncio geral”. Utilizando um argumento menos “impressionista”, vale afirmar que os homicídios, em grandes “séries históricas” (caso de um período como 2000-2007), estão fortemente relacionados (em “correlação” estatística positiva, que equivale dizer que um aumento ou diminuição de algo produz efeitos equivalentes em algo mais…) com outros crimes também violentos e de impacto sobre a opinião pública.
De acordo com estudos norte-americanos de séries históricas de quase 50 anos de registros oficiais de crimes (1947-1996 – Thomas B. Marvell, Justec Research), os homicídios estão fortemente correlacionados (em uma escala máxima positiva de até “1”) com os estupros (0,89), roubos (0,96), lesões corporais (0,82), arrombamentos (0,93) e furtos de veículos (0,90). Tal correlação é especificamente determinável em longos períodos, mas não em pequenas “séries históricas”.
Mudanças ou reduções nos índices de homicídios de São Paulo e Rio de Janeiro deveriam ser acompanhadas (em longas séries históricas como 2000-2007) de mudanças ou reduções de outros crimes, “ampliando” ainda mais a “sensação de segurança” em geral. E isso não parece ter ocorrido, salvo na “retórica oficial”.
Relatórios de criminalidade
A “redução espetacular” de 77% nos homicídios da cidade de Nova York na década de 1990 foi acompanhada de uma também reconhecida queda em outros crimes (Fonte: Heather MacDonald– Compstat and Its Enemies – http://www.city-journal.org/2010/eon0217hm.html). Segundo a mesma fonte, as “reduções espetaculares” nos índices de homicídios de Nova York foram alvo de intenso exame e crítica, tanto internamente (no Departamento de Polícia de Nova York – NYPD) quanto por estudos independentes.
A NYPD intensificou suas rotinas de auditagem de estatísticas criminais a partir de 1999, valendo-se de técnicas de amostragem, na medida em que reduções nos índices de homicídios iam sendo apontadas. Enquanto em 1999 foram auditados 29.277 relatórios de criminalidade, em 2009 esse procedimento já chegava a um volume de 47.510. Considerando que a cidade de Nova York possui 123 grandes unidades policiais de área (precincts), vale dizer que, em 2009, em média, cada grande unidade policial de área realizou pelo menos uma auditoria diária de seus relatórios de criminalidade. Talvez, por isso mesmo, erros quanto à classificação de crimes tiveram uma redução geral de 4,4% no ano de 2000 para 1,5% em 2009.
“O que é o que”, “para que” e “como”
É ao menos curioso que os órgãos oficiais de segurança pública de São Paulo e Rio de Janeiro possam estar “surpresos” ou “sem explicação” (vide matéria do CB) para as saliências ou discrepâncias detectadas entre reduções crescentes de seus índices oficiais de homicídios e os índices oficiais de “Mortes Violentas por Causas Indeterminadas” (incluindo estudos em curso ao longo dos últimos dez anos…). É emblemática disso a referência ao Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, feita no “CB”: “E o Instituto de Segurança Pública, que faz as estatísticas de violência no estado, recuou, reconhecendo que 91.6% dos óbitos antes classificados como “indeterminados” tratavam-se de homicídios – o que reduz em nove vezes a queda de assassinatos até então considerada, de 28.8% para 3.6% em três anos, oficialmente”.
A situação é bastante distinta no Distrito Federal (DF). Parece que no DF, na medida em que os índices de homicídios vão sendo estabelecidos de maneira segura e confiável, os índices de mortes por causas indeterminadas refletem isso de alguma forma – e refletem “caindo”. E é isso que parece ficar demonstrado na grande série histórica 2000-2010, quando os índices de homicídios do DF cresceram de 33,5 para 33,8, com um acréscimo bruto, portanto, de três mortes por milhão de habitantes e os índices de “mortes violentas por causa indeterminada” caíram de “1” (um) para 0,4, com um decréscimo bruto, portanto, de “6” (seis) por 100 mil habitantes. Não existe no DF nada de “espetacular” em termos de homicídios nos últimos dez anos. Nem para melhor nem para pior. Ao que parece, “assim é que é”. O que talvez exista “para melhor no DF” do que no restante do país é a maneira como a informação pública sobre o fenômeno do crime e da violência é tratada, com os resultados das estatísticas criminais expressando de maneira válida e confiável, “o que é o que”, “para que” e “como”.
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[George Felipe de Lima Dantas é professor, Brasília, DF]