A veiculação constante de declarações homofóbicas protagonizadas por um dos participantes da décima edição do Big Brother Brasil colocou em questão dois temas importantes para a proteção dos direitos humanos na mídia. De um lado, o Ministério Público Federal tenta responsabilizar a Rede Globo pelas declarações dadas por um dos confinados em seu reality show. De outro, a indignação de organizações que representam a população LGTB com as atitudes do lutador Marcelo Dourado acaba não encontrando eco na Justiça.
Apesar de já ter feito comentários bastante violentos – ele chegou a ameaçar ‘quebrar os dedinhos’ de uma outra participante assumidamente lésbica –, os episódios envolvendo Dourado na Rede Globo são alvo de uma única ação na Justiça por conta de uma questão relacionada à saúde pública. O procurador dos Direitos do Cidadão em São Paulo Jefferson Dias, a partir de uma denúncia de um cidadão, abriu inquérito para averiguar a responsabilidade da emissora por veicular o comentário do lutador de que ‘homem hétero não pega Aids’.
Para as entidades que lutam pelos direitos dos homossexuais, esta é apenas uma entre várias outras declarações que comprovam o comportamento homofóbico de Dourado e a conivência da emissora com ele. ‘As atitudes e declarações de Marcelo Dourado, em um programa de televisão com grande audiência nacional, apenas servem para reforçar toda esta carga de preconceito, discriminação e estigmatização contra a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), e demonstram a impunidade com que esta forma de discriminação se aplica na sociedade brasileira, ao contrário do racismo e outras formas notórias de discriminação passíveis de punição prevista em lei’, diz em nota a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
Contra as agressões
O procurador da República Jefferson Dias reconhece que há uma limitação em relação a atuar contra outras declarações de caráter homofóbico, uma vez que não há cobertura legal para este tipo de discriminação. ‘O foco da investigação é a desinformação da Globo [em relação à saúde pública]. Ela tem que falar a informação correta para a população ou se manifestar em até dez dias’, afirmou o autor do inquérito. O prazo para manifestação da emissora encerou na segunda-feira (15/3), mas o MPF não recebeu nenhuma resposta oficial.
Para Dias, mesmo que tenha sido um participante de reality show a atentar contra os direitos humanos, a emissora tem total responsabilidade por tudo que transmite ‘Os canais são responsáveis pelo que divulgam, ainda mais material gravado’, diz o procurador, lembrando que a declaração foi escolhida para entrar na versão editada do programa que vai ao ar no canal aberto.
Segundo a Assessoria de Imprensa da TV Globo, a emissora não é responsável pela opinião dos participantes do reality show. A emissora alegou a este Observatório que, no mesmo dia da veiculação do comentário, o apresentador Pedro Bial teria feito uma errata, indicando que os telespectadores procurassem informações corretas sobre a transmissão do HIV no site www.aids.gov.br
Marcia Balates, da Liga Brasileira de Lésbicas, acredita que a TV Globo não está isenta de responder na Justiça sobre o que transmite. ‘Tudo bem que [em um reality show] a pessoa está falando aquilo que ela é ou pensa, mas a Globo tem total responsabilidade. Eles editam o programa, eles tem a função de passar informação’, comenta. Para Marcia, a Globo deveria abrir espaço para direito de resposta. ‘Além disso, eles tem que contribuir para o combate a qualquer tipo de preconceito’, diz.
Em casos como esse, a militante lésbica acha que ao invés da sociedade evoluir para aceitar as diferenças, acontece exatamente o contrário. ‘As pessoas veem os homossexuais de uma forma diferente, e eles são iguais. A sociedade regride nesses momentos’, declara. A Liga Brasileira de Lésbicas está preparando uma nota de manifestação sobre as agressões que o canal vem veiculando.
Outras atitudes
O presidente da ABGLT, Toni Reis, toca em outro ponto importante do atraso que Dourado representa propagando suas ideias para mais de 90% dos lares brasileiros: ‘Ele pode ter as opiniões dele, mas isso ser veiculado num meio de comunicação, transmitido para rede aberta, acaba justificando a violência contra nossa comunidade’.
Toni lembra que os veículos de comunicação precisam ser cobrados pelo respeito à diversidade. ‘Somos pela livre manifestação, desde que ela não invada nossa cidadania. E os meios de comunicação devem preservar isso’, afirma ainda Toni.
A ABGLT tem mandado ofícios e recados às emissoras. Algumas tentativas deram certo com o apresentador Fausto Silva, que desde então, nas palavras de Toni, ‘está se controlando’. Mas o presidente da associação diz que, quando o diálogo torna-se impossível, é preciso tomar outras atitudes. ‘Se começarem a piorar as informações dadas pelo lutador, vamos pensar em começar a trabalhar com patrocinadores, porque todas as marcas ali são muito favoráveis à diversidade. Um anunciante não quer associar sua marca com a baixaria’, afirma Toni.