Estava na Av. Princesa Isabel, no Rio, esperando um ‘frescão’ para ir ao Centro. Em alguns minutos surgiu um, mas, como é de praxe, passou pela segunda pista e não parou. Tive que esperar o seguinte. Como meu destino era o ponto final, ao chegar lá, fui imediatamente procurar o responsável, para reclamar. Na garagem do Terminal Menezes Cortes, em meio à sujeira, fuligem e descargas de ônibus, vi dois homens encostados numa cabine imunda e perguntei se eles eram os fiscais do ônibus da Linha Pégasus, número tal. Um deles se identificou e pôs-se a me ouvir. Aí destilei toda a minha raiva:
‘Cadê o motorista desse ônibus? Eu fiz sinal para ele no ponto e ele não parou. A maioria não para. Por que eles passam por fora e ignoram os passageiros? Isso é um serviço público…’
O fiscal, surpreso, me apontou o motorista. Ele estava dentro da cabine, ouvindo tudo. Dirigi a ele toda a minha indignação e saí batendo pé, me sentindo justiçada por transferir para meu agressor a agressão que havia sofrido. Entretanto, a poucos passos dali, comecei a me sentir mal. Com remorso. Culpada. Revi mentalmente a cena. O motorista em pé, comendo uma quentinha de macarrão, naquele lugar inóspito, barulhento, poluído e insalubre. Vi seus olhos vermelhos, sua pele ressecada, sua expressão abatida. Maltratado. Quase um bicho. ‘Coitado. Vai ver que ele não parou o ônibus porque estava com pressa de chegar e almoçar. Almoçar o macarrão da quentinha, em pé naquela imundície…’ Me senti mal por reclamar. Será que ele poderia ser demitido? Vai que seu emprego já estava por um triz e essa foi a última gota… Eu seria a responsável por uma suspensão, uma bronca do chefe, ou, pior, pelo fim da fonte de renda de uma família inteira?
O descaso histórico brasileiro
Mas espera aí. Eu não podia me sentir culpada. Se ele não tinha condições de trabalho, que exigisse do seu patrão. Se o barulho do motor é insuportável, se o ar não refrigera, se o trânsito é caótico, se a sua profissão é estressante, se o salário não dá pra nada, ele que exija seus direitos junto ao patrão. Não é por isso que eu não vou exigir os meus. Por pena, por compaixão, a gente acaba deixando pra lá e passa a não reclamar mais. Isto é, compactuamos com a bandalha e somos cada vez mais desrespeitados como cidadãos.
Opa, acho que toquei na palavra-chave: cidadania. Aquele motorista de ônibus, aquele homem quase bicho, certamente não conhece seus direitos. Nem imagina que tem direito a exigir seus direitos. Falta a ale a noção de cidadania. Falta educação, escola, professor, exemplo. Tudo começa e acaba na educação. Isso é básico, quase instintivo. Quando uma criança nasce, qual a primeira preocupação do pai? Prover uma boa educação para que a criança tenha um futuro garantido.
Por isso, choca tanto a foto do governador Sérgio Cabral rindo em Brasília no dia em que foi apresentado aos pífios resultados do Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) no estado do Rio. Em 2008, 40% entre os 30 melhores colégios do país eram fluminenses, agora são apenas 26%. O título da matéria no jornal: ‘Governador atribui fracasso a `30 anos de destruição´ da rede de ensino’. Mas será que em três, quatro anos, realmente não dava para ele mudar um pouco esse resultado? Pelo menos reverter a queda? Quatro anos não é muito, mas também não é pouco. Não se pode mudar tudo, mas se pode mudar bastante.
Aliás, mesmo que não fosse sincero, o mínimo de constrangimento do governador e do prefeito em Brasília seria de bom tom, ao receber um resultado assim. Se o seu filho tira a pior nota do colégio você vai conseguir sair rindo do encontro com o diretor? O descaso histórico brasileiro pela educação só pode vir mesmo de algum grande interesse político e econômico, posto em prática pelos governantes.
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Jornalista