Cada um fez o que pôde para atrair os holofotes internacionais e roubar a cena no IV Encontro de Presidentes e Chefes de Estado da América Latina e Europa, em Viena, na Áustria. Uma argentina chegou a usar um biquíni fio-dental e mostrou a faixa do Greenpeace, condenando a instalação de fábricas de papel na fronteira uruguaio-argentina. O presidente boliviano Evo Morales tentou ganhar visibilidade usando a nacionalização do petróleo e do gás, mas, tanto quanto a manifestante, errou a mão e acabou tendo que sair de fininho.
Foi o pretexto para a imprensa boliviana começar a reprovar as atitudes do presidente. Aqui ficou claro que ninguém gostou deste bate-e-assopra. Uma nota no editorial do diário El Deber, de Santa Cruz de la Sierra (sábado, 13/5), diz que Evo está seguindo ‘a tropezones‘, e que fazer declarações sérias e no dia seguinte se retratar retirando o que foi declarado é uma atitude pouco coerente, uma conduta pouco séria. A nota se refere à carta enviada ao chefe de governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, negando o que havia dito aos jornalistas.
Os diálogos com o Brasil e com a Espanha já estavam em andamento e tudo parecia tranqüilo, até que Evo declarasse, em Viena, que as empresas petrolíferas agiam ilegalmente na Bolívia, que havia a prática de contrabando e que os contratos eram inconstitucionais. Mas, desta vez, a resposta foi imediata. Brasil e Espanha não gostaram do que ouviram e cogitou-se até a retirada do embaixador brasileiro de La Paz. Evo não viu outra alternativa a não ser se retratar rapidamente, e foi o que fez. Ainda na Europa se encontrou com Lula e com Zapatero para se explicar.
Países ‘generosos’
Sugerindo o arrependimento e o choro do presidente, uma enorme foto de Evo passando o lenço nos olhos foi a capa do El Mundo, (sábado, 13/5), também de Santa Cruz. O fato é que os bolivianos aprovam a nacionalização, mas não querem que o presidente crie encrenca nem com o Brasil, nem com a Espanha e nem com ninguém. Parece que o fato de os países terem recebido a nacionalização com cautela e com diplomacia fez com que ganhassem respeito por aqui.
Começam a surgir na imprensa artigos avaliando os erros e acertos de Evo, e análises afirmando que ele está exagerando no tom. No editorial do Los Tiempos (13/5), de Cochabamba, está registrado o medo de que as ações do presidente se transformem em feridas difíceis de cicatrizar, e o conselho de que é melhor ele meditar bastante antes de tomar qualquer atitude.
A analista Jimena Costa ganhou espaço no El Deber (13/5) falando que Evo é o principal adversário de seu governo com as suas ‘metidas de pata‘ e que os funcionários do governo têm de sair apagando os incêndios que ele provoca. Disse ainda que, ao iniciar o governo, seu inimigo declarado eram os Estados Unidos, mas que agora ‘vemos atritos com o Brasil, Espanha, Colômbia, Peru, Argentina; e que dentro do país só falta ele virar inimigo da Igreja Católica’.
Na televisão, as propagandas governamentais continuam, mas agora em cima da campanha de alfabetização. A promessa de Evo é ensinar 1 milhão de bolivianos a ler e a escrever até 2008.
Artigo assinado por Mimy Ortiz de Gasser (El Deber) avalia a nacionalização e a campanha como pontos positivos do atual governo. Mas não deixa de mostrar os negativos, ao dizer que enquanto a Bolívia tem centenas de professores e médicos desempregados, vagas são dadas aos profissionais dos ditos países ‘generosos’. É sabido por aqui que muitos médicos cubanos trabalham em hospitais e ocupam cargos em universidades bolivianas. E pelo que tudo indica, os professores da campanha de alfabetização estão vindo da Venezuela de Hugo Chávez.
Preço a pagar
As declarações de Evo na capital austríaca acabaram prejudicando a imagem dele por aqui. A imprensa reagiu rapidamente. Ele pode ter sido pouco diplomático, para quem estava em meio a negociações, mas não esqueçamos que rumores de que a petroleira Repsol estava envolvida em contrabando circulavam no ar e na imprensa boliviana muito antes do decreto de nacionalização dos hidrocarburetos, em 1º de maio.
Também não podemos ignorar que existiram outros governos antes de Evo, e que a hipótese de que houve irregularidades, inclusive com aval de bolivianos, pode ser real. O artigo de Mimy Gasser diz que ‘foram bolivianos que permitiram que se infringisse a lei, foram bolivianos que redigiram e assinaram os contratos, e foram bolivianos os que deveriam ter fiscalizado’.
Para ela, duas coisas preocupam os bolivianos: ‘Primeiro, reviver um YPFB [Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos, a estatal petrolífera] que os faça recordar as máfias que ali operaram por décadas e décadas. E, segundo, a falta de segurança jurídica que estão vivendo as empresas que confiaram em vir investir no país’.
No final das contas, as declarações de Evo, que foram tomadas imediatamente como afronta e ofensa, podem não ser tão absurdas assim. Mas tudo se acalmou novamente. Os jornais de domingo (14/5) já traziam manchetes de paz, dizendo que as negociações seguirão, sem maiores problemas. Talvez o preço que Evo Morales terá de pagar para ter sócios na exploração e processamento dos recursos naturais seja ocultar algumas verdades e deixar o passado de lado.
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Jornalista brasileira residente em Santa Cruz de la Sierra