Inadmissível o comentário de cunho preconceituoso que o colunista do jornal capixaba A Gazeta Uchoa de Mendonça fez com relação à ocupação pacífica dos índios tupiniquins e guaranis à fabrica da Aracruz Celulose, na edição do dia 8 de outubro. Favorável ao etnocídio da cultura indígena, escreveu: ‘Sou pelo aculturamento definitivo dessa gente, que, infelizmente, serve para massa de manobra, nas mãos de espertos das mais variadas procedências, que nos envergonham, que nos humilham diante das nações civilizadas que ficam reticentes em investir no desenvolvimento nacional’. Além de comentários esdrúxulos, a cobertura dos jornais, prezando pela objetividade, prende-se ao factual e ignora existência de duas culturas em choque. Essa desinformação reforça a tendência ao etnocentrismo do senso comum.
Se não tivesse compromissos inadiáveis na Ufes, estaria com aqueles estudantes que ocuparam a empresa ao lado dos índios. A Aracruz é a terceira maior financiadora de campanhas políticas no Brasil e um dos maiores anunciantes da mídia capixaba. A manifestação teve o intuito de pressionar o Ministério da Justiça a oficializar os 11 mil hectares de terra autodemarcado pelos indígenas em maio deste ano. Essa terra foi reconhecida como indígena em estudo antropológico em 1998, mas não foram entregue às comunidades devido ao lobby da corporação. Em maio, fiz reportagem sobre o caso com dois colegas.
O desconhecimento da cultura indígena é a maior arma da Aracruz. O gerente de Relações com a Comunidade, Jessé Moura Marques, afirmou que a empresa comprou aquela terra de fazendeiros e nos mostrou documentos que provavam que os índios nunca foram proprietários ali. É óbvio que não. Para os índios não existe propriedade privada. Afirmam também que 10% a 20% das terras deles são ociosas.O que é ‘terra ociosa’? Mata virgem? Para o homem branco, ocupar é derrubar a floresta nativa da terra e cultivá-la. Pois o índio não disputa espaço com a mata, convive com ela. A floresta é fonte de caça, de remédios, de matéria-prima para seu artesanato e utensílios.
Luta desigual
Quando os eucaliptos avançaram sobre aquelas terras, sua subsistência foi ameaçada. Viram-se obrigados a se inserir naquele misterioso mundo capitalista. Tiveram que se mudar para fazendas e cidades para conseguir renda. Conhecemos uma índia idosa que viveu a infância na aldeia recentemente reconstruída, que fora ocupada por eucaliptos. Ela nos contou como foi esse choque. Passou a trabalhar pesado numa fazenda em troco de um pouco de farinha. Contou também de uma vez que engordou dois porcos para vender a carne. Aventurando-se no comércio, desconhecendo sua malícia, sem noção dos preços, acabou vendendo a carne na primeira oferta.
E é justamente nessa lógica que a ‘caridosa’ Aracruz Celulose oferece uma série de projetos assistencialistas. Jessé se orgulhou em dizer que os índios do município de Aracruz são referência em qualidade de vida e nem recebem bolsa-família, por estarem acima da linha da pobreza graças a esses projetos. Ora, os índios estão sem os recursos naturais em suas terras, o que aumenta a dependência em relação aos brancos.
A maioria desses projetos é de geração de renda. Um deles é para a construção de uma estufa para plantio de mudas de eucaliptos (?) que serão vendidos à empresa. Tem também um projeto de auxílio técnico para plantação de milho, banana… Esse auxílio é para a monocultura. Os índios praticam o roçado há séculos. Não precisam de auxílio.
Esta é uma luta desigual. É a luta de um povo fragilizado e dependente contra uma megacorporação, que mexe com bilhões de reais. Têm a imprensa mansinha do seu lado. Ocupa boa parte das terras do estado em plantações de eucaliptos (que insistem em chamar de floresta) para exportar quase toda a produção. Humilham dois mil indígenas e geram dois mil empregos diretos. Mas os índios demonstram coragem e disposição.
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Estudante de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Vitória