Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa, os ritos e as formalidades

O vice-presidente José Alencar merece nossa solidariedade. A longa e grave enfermidade, as 14 cirurgias e sua disposição de retornar imediatamente à função constituem notável exceção numa paisagem humana marcada pelo desprezo aos deveres. Estes sentimentos, certamente compartilhados pela imprensa, não deveriam impedir que ela cumprisse seu papel e questionasse algumas formalidades que envolvem a substituição do presidente pelo vice.


Ao longo de todo o fim de semana passado, enquanto o presidente Lula encontrava-se na Europa, o presidente em exercício ficou internado no hospital. Não estava inconsciente nem anestesiado, mas sem condições de tomar decisões, afastado do centro do poder, acompanhado apenas por familiares e médicos.


Na segunda-feira (6/7), quando Alencar reassumiu a função, nenhum jornal ou jornalista lembrou-se de comentar o fato de que o país ficou teoricamente acéfalo. Não acharam importante registrar a irregularidade.


A situação repetiu-se dois dias depois, quarta-feira (8/7), quando o presidente em exercício sentiu fortes dores abdominais e o médicos desconfiaram que se tratava de nova obstrução intestinal. Voltou imediatamente ao Hospital Sírio-Libanês e na quinta-feira pela manhã, os médicos decidiram por um novo procedimento cirúrgico.


O presidente em exercício foi anestesiado e em seguida operado durante seis horas. Da sala de cirurgia passou para a sala de reanimação e desta para a UTI. Ao longo deste período nenhum portal de notícias, blog ou emissora de rádio lembrou-se de questionar o fato de que o país estava sem presidente da República, já que o interino não passara o cargo ao legítimo sucessor, o presidente da Câmara Federal, deputado Michel Temer.


Atenção devida


O Jornal Nacional foi a honrosa exceção: cobrou uma explicação da Presidência da República e foi obrigado a difundir a pueril e desastrada justificativa de que a incapacidade do paciente para tomar decisões só poderia ser constatada por uma junta médica.


Então, criou-se um caso: quem deveria convocar esta junta médica – o presidente da Câmara ou o chefe do Legislativo, José Sarney? Não teria sido mais fácil, mais competente e mais ‘legal’ convocar o paulista Temer para tomar posse antes do início da cirurgia?


O episódio aparentemente não trará maiores conseqüências. Mas serve para comprovar não apenas o descaso das altas autoridades da República diante dos ritos e formalidades do regime democrático como também a total desatenção da imprensa para o seu papel questionador e vigilante.


No dia em que a imprensa começar a prestar a devida atenção às formalidades, parte das nossas mazelas serão automaticamente corrigidas. [Texto concluído às 23h55 de 9/7/2009]