O que aconteceu na Fonte Nova no domingo (25/11), no jogo do Bahia contra o Vila Nova de Goiás, poderia ter sido evitado ou pode vir a acontecer em qualquer estádio brasileiro, é o que aponta o relatório ‘Estudo sobre o Estado de Manutenção e Condição dos Estádios Brasileiros’. O estudo foi desenvolvido pelo Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva, pensando, sobretudo, na realização da Copa de 2014 no Brasil (ver aqui).
A pesquisa revela as condições de 29 estádios, situados em 18 cidades brasileiras candidatas a sediar jogos pelo mundial de 2014. O relatório, até aqui, pouco ou quase nada foi discutido pela imprensa brasileira, em especial, nesse caso, a baiana. Talvez agora ganhe os holofotes da imprensa tupiniquim.
Antes, muito antes de ocorrer, a tragédia de ontem na Fonte Nova poderia ter sido evitada. Oito pessoas morreram depois de despencarem do anel superior do estádio Otavio Mangabeira, localizado no centro de Salvador, segundo informações oficiais.
Condições impróprias
Cerca de 60 mil tricolores foram apoiar o time baiano na reta final do Brasileirão. Um simples empate garantiria o retorno do tricolor à Série B. A imprensa esportiva baiana, eufórica com a ascensão do Vitória à elite do futebol brasileiro com duas rodadas de antecedência, era só alegria, com a possibilidade de o Bahia garantir a ascensão à Série B agora, com uma rodada de antecedência, o que veio a se confirmar com o empate em zero a zero diante da equipe do Vila Nova.
Festa, alegria. A imprensa esportiva, no estado da Bahia, é líder de audiência. E também de influência. Consegue mexer com a massa de torcedores, principalmente do Bahia e do Vitória, principais agremiações do estado. A resenha esportiva, sobretudo no rádio, é show. Ibope lá em cima. Caixa trincando – trin-trin, din-din-din-din. Na pauta, críticas ou felicitações aos treinadores, jogadores ou dirigentes baianos. Todos, da imprensa esportiva – com raras exceções, para não fugir à regra – seguem o mesmo passo. A ditadura do discurso único, que tomou conta de vez da imprensa tupiniquim, do Oiapoque ao Chuí.
Longe da pauta, questões de interesse público, como as condições impróprias do estádio Otávio Mangabeira para comportar um grande público, a exemplo dos 60 mil torcedores. Estrutura precária, perigo fora de vista – da imprensa, claro.
Tragédia anunciada
O mesmo estádio da tragédia de ontem já foi alvo de uma ação civil pública, ajuizada pela promotora Joseane Suzart no Ministério Público Estadual no ano passado, condenando a Fonte Nova pelas suas condições precárias. Silêncio. Agora, possivelmente, barulhos.
O relatório condenando a situação precária tanto do Barradão – pertencente ao Esporte Clube Vitória – como da Fonte Nova, de propriedade do Estado, foi esquecido pela imprensa nativa. Aliás, não só por ela. O relatório, que aponta ‘estrutura com vigas e pilares comprometidos’, ‘arquibancadas em ruínas’, ‘a ausência de peitoril aumenta risco de queda’, representando um estádio (a Fonte Nova) em ‘estado lastimável, nenhum conforto e segurança para os usuários’, condena também outros estádios Brasil afora. Exemplo esclarecedor é a foto de ‘armaduras expostas na laje do anel superior’, referente ao estádio do Morumbi, de propriedade do São Paulo Futebol Clube. Ou mesmo a foto que denuncia ‘trincas e infiltrações na laje’, da Vila Belmiro, pertencente ao Santos Futebol Clube, que ‘indicam falta de manutenção’.
Uma tragédia anunciada e infelizmente esquecida pela imprensa esportiva, seja a falada, seja a escrita. Depois do ocorrido, nos próximos dias certamente a imprensa irá pautar as discussões quanto às estruturas dos estádios Brasil a fora. Autoridades, agora sim, serão ouvidas. Os fatos, quem sabe, virão à tona e talvez sejam esclarecidos.
Questões importantes
O jornalismo perdeu um dos pressupostos à sua existência: a sensibilidade. Depois de matarem o jornalismo, sobretudo o investigativo, espera-se que, pelo menos, novas tragédias, como a de ontem, sejam evitadas e vidas – o mais importante – sejam salvas. Cabe ao jornalismo não só fiscalizar, mas também investigar e investigar, denunciar e denunciar, até esclarecer os fatos à sociedade. Fatos esses que podem incidir direta ou indiretamente sobre a vida dos cidadãos. Daí a importância de uma imprensa livre, democrática. Contudo, será que isso hoje ainda é possível? Esse é o dilema.
Até quando, enquanto formadores de opinião, deixaremos de discutir questões importantes para o desenvolvimento e a segurança do nosso país, isto é, de nossa gente? Somente quando tragédias, novas tragédias vierem a acontecer? Um ponto para a reflexão.
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Jornalista, Lauro de Freitas, BA