Os meios de comunicação de massa, no Brasil, têm um papel fundamental na construção da democracia, da cidadania e do Estado de Direito. E devem lutar pela preservação e o bom funcionamento das instituições democráticas. Portanto, a imprensa não pode se calar e deixar de soltar sua voz neste país, onde o poder econômico está acima dos interesses dos cidadãos. Refiro-me ao transporte público na cidade de São Paulo. Que é ruim. A polêmica é a construção da estação Angélica, em Higienópolis, do metrô. Motivo: alguns moradores e comerciantes do bairro são contrários à edificação e estão preocupados com a suposta desvalorização de seus imóveis e negócios.
Fica claro que a mídia deve tomar posição, isto é, discutir em público. Afinal, isso fortalece a instituição midiática e fornece elementos para que o cidadão se municie de informações que o ajudem a ter um melhor entendimento sobre o assunto. É claro que isso é do interesse da sociedade civil. Então, cabe a quem definir se o espaço é público ou privado, sobre o seu uso e a sua ocupação – o indivíduo ou o poder público? Na periferia da cidade, equipamentos públicos estão sendo desmontados (escolas, postos de saúde etc.) apesar da mobilização maciça dos moradores. Por sua vez, o poder público não os ouve. De outro lado, o mesmo não acontece em Higienópolis e bairros ricos.
Absurdos como esse, aqui são recorrentes. A elite, econômica e cultural, molda a cidade ao seu gosto. Quem conhece Londres, sabe que os trens cortam a cidade em todas as direções. A malha metroviária daquela metrópole é enorme, se comparada à nossa, que é anã. A mídia, portanto, não pode ser submissa e deve estar ao lado do Estado democrático de Direito. Até porque a cidade é de todos que moram nela. Por fim, altero as palavras do urbanista Lúcio Costa: cidade é a expressão da necessidade humana de ocupação do espaço público e do contato constante entre seus habitantes, sejam ricos ou pobres.
Cabe à mídia fazer a crítica
O argumento contrário à nova estação é que vai atrair gente pobre. Esse raciocínio esconde o preconceito contra a pobreza – no caso, nordestinos, negros, brancos e moradores de rua. É o apartheid social brasileiro edificado à luz da desigualdade social e da má distribuição de renda. Ou seja, esses moradores não querem se misturar aos demais. Isso ocorreu na Alemanha hitlerista. Nos guetos, os judeus e outras minorias, foram forçados a morar por imposições econômicas e raciais.
Higienópolis É uma ilha de prosperidade na região central. Possui boas escolas, boas livrarias e boa infraestrutura. Melhor dizendo, oferece ao morador o necessário para se viver muito bem. A seu favor, esses moradores têm a simpatia de parte da mídia paulistana, que é reacionária, dos órgãos de governo e dos mandachuvas da cidade. É lamentável que, na cidade de São Paulo, os interesses da minoria se sobreponham à maioria. Melhor dizendo, o poder dessa gente vem do capital, que os coloca numa situação privilegiada. Seu discurso é neoliberal, ou seja, o interesse privado está dissociado das necessidades dos cidadãos, da cidade. Falta-lhes consciência coletiva para entender que se a cidade vai mal é responsabilidade do gestor público, que é incompetente, e dos moradores que não fazem a sua parte.
Pois bem, a mídia deve estar a serviço da democracia e deve dar sua opinião sobre a questão da forma mais isenta possível, bem como, trazer para a sociedade uma discussão focada nos direitos e interesses da cidade e dos cidadãos. Além disso, até que ponto é vantajoso dividir a cidade em ilhas de riqueza e bolsões de miséria? Será que a política de exclusão é a melhor alternativa frente aos problemas urbanos da nossa metrópole? Nova York, por exemplo, melhorou a qualidade de vida das pessoas em áreas deterioradas através de intervenções urbanísticas inclusivas.
E, por fim, a imprensa dos países desenvolvidos – EUA, Canadá e França, entre outros – não se furta em discutir temas de interesse geral da sociedade civil. Lá, o cidadão comum é ouvido pelo poder público. No Brasil, nem sempre isso ocorre. Pois bem, a mídia é o foro privilegiado de discussão dos temas mais variados – no caso, o transporte público paulistano, que é interesse de todos. Cabe à mídia fazer esta crítica. Afinal, é o seu ofício.
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Professor e jornalista, São Paulo, SP