Bispos da Igreja Universal do Reino de Deus desencadeiam, contra os jornais Extra, O Globo, A Tarde e esta Folha, uma campanha movida pelo sectarismo, pela má-fé e por claro intuito de intimidação.
Em dezembro, a Folha publicou reportagem da jornalista Elvira Lobato descrevendo as milionárias atividades do bispo Edir Macedo. Logo surgiram, nos mais diversos lugares do país, ações judiciais movidas por adeptos da Igreja Universal que se diziam ofendidos pelo teor da reportagem.
Na maioria das petições à Justiça, a mesma terminologia, os mesmos argumentos e situações se repetiam numa ladainha postiça. O movimento tinha tudo de orquestrado a partir da cúpula da igreja, inspirando-se mais nos interesses econômicos do seu líder do que no direito legítimo dos fiéis a serem respeitados em suas crenças.
Magistrados notaram rapidamente o primarismo dessa milagrosa multiplicação das petições, condenando a Igreja Universal por litigância de má-fé. Prosseguem, entretanto, as investidas da organização.
Não contentes em submeter a repórter Elvira Lobato a uma impraticável seqüência de depoimentos nos mais inacessíveis recantos do país, os bispos se valeram da rede de televisão que possuem para expor a pessoa da jornalista, no afã de criar constrangimentos ao exercício de sua atividade profissional.
É ponto de honra desta Folha sempre ter repelido o preconceito religioso. A liberdade para todo tipo de crença é um patrimônio da cultura nacional e um direito consagrado na Constituição. A pretexto de exercê-lo, porém, os tartufos que comandam essa facção religiosa mal disfarçam o fundamentalismo comercial que os move. Trata-se de enriquecimento rápido e suspeito – e de impedir que a opinião pública saiba mais sobre os fatos.
Não é a liberdade para esta ou aquela fé religiosa que está sob ataque, mas a liberdade de expressão e o direito dos cidadãos à verdade.
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Empresário quer intimidar a imprensa
O Estado de S.Paulo
Editorial, 18/1/2008
Numa ação orquestrada para intimidar jornalistas e empresas de comunicação, fiéis e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus ajuizaram dezenas de processos por dano moral contra os jornais Folha de S.Paulo e Extra. O primeiro jornal publicou em dezembro uma extensa reportagem mostrando como o fundador da seita, ‘bispo’ Edir Macedo, usou o dinheiro do dízimo para montar um poderoso grupo empresarial, com o braço financeiro registrado no paraíso fiscal de Jersey. O segundo jornal noticiou a agressão a uma imagem de São Benedito – um santo católico – por um seguidor da Igreja, na Bahia.
Segundo a reportagem da Folha, o complexo empresarial de Edir Macedo é constituído por 23 emissoras de TV e 40 emissoras de rádio, o que o torna o maior proprietário de concessões do País. Além disso, o ‘bispo’ evangélico é proprietário de 19 outras empresas, dentre as quais 2 gráficas, 1 imobiliária, 1 agência de turismo e 1 firma de táxi aéreo, todas registradas em nome de seus ‘pastores’. A reportagem revelou ainda que a Universal arrenda as emissoras que integram a Rede Aleluia, que Macedo detém 99% das ações da TV Capital, geradora da Rede Record, e que ele tem à sua disposição um avião adquirido por US$ 28 milhões.
Nas dezenas de processos ajuizados contra a Folha, ‘pastores e fiéis’ da Universal reivindicam indenizações de R$ 1 mil a R$ 10 mil, sob a justificativa de que a reportagem lhes causou prejuízos morais. Nas ações contra o Extra, os autores alegam que o objetivo do jornal não foi informar, mas provocar a ‘ira’ dos católicos e criar um clima de ‘perseguição religiosa’, submetendo os seguidores da seita ao ‘risco diário de sofrer agressões físicas e discriminações’.
O que chama a atenção nessas ações de dano moral não é o baixo valor das indenizações pleiteadas nem a falta de fundamento nas justificativas, mas, sim, a estratégia utilizada pelo empresário para intimidar jornais e jornalistas. As ações contra o Extra foram ajuizadas não na cidade onde está a sede da empresa, mas em distintas comarcas no interior do Estado do Rio de Janeiro. Os processos contra a Folha foram protocolados em lugares ainda mais distantes – quase todos situados a cerca de 200 quilômetros da capital de diferentes unidades da Federação. E, embora as ações sejam individuais, quase todas as petições apresentam textos idênticos, deixando clara a existência de uma ação orquestrada.
Como os dois jornais têm de se defender em cada uma dessas comarcas, o expediente da Igreja os obrigou a contratar advogados nas cinco regiões do País, elevando significativamente os gastos das empresas que os editam. Além disso, como várias audiências foram marcadas no mesmo dia e em algumas cidades da Região Norte, cujo acesso somente se faz por barco, o departamento jurídico da Folha teve de montar uma logística especial para defender a empresa e a jornalista que assinou a reportagem. Muitos processos foram abertos em juizados especiais cíveis, o que, por lei, exige a presença do réu e aumenta os gastos das empresas com viagens e deslocamentos de advogados e jornalistas. E em vários processos os autores citam não somente os repórteres, mas também os diretores de redação – e todos são obrigados a comparecer às audiências, sob o risco de serem condenados à revelia.
Em nota de protesto, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) qualificou a estratégia da Universal como ‘intimidação ao livre exercício do jornalismo’. Para a entidade, os ‘pastores’ e fiéis que acionaram a Folha e o Extra não têm por objetivo ‘restabelecer a honra ou a verdade, mas apenas constranger empresas jornalísticas no seu dever de livremente informar a sociedade’. ‘É uma tentativa espúria de usar o Poder Judiciário contra a imprensa e privar o cidadão do direito de ser informado’, conclui a nota.
Felizmente, os magistrados encarregados de julgar esses processos já perceberam a má-fé dos reclamantes. Alguns juízes nem sequer acolheram as ações. E pelo menos um deles, Alessandro Pereira, da comarca de Bataguaçu, Mato Grosso do Sul, não só rejeitou sumariamente o pedido de indenização, como condenou o autor por litigância de má-fé. Com decisões como essa, a Justiça está tratando o querelante como o que ele realmente é – um ganancioso empresário bem-sucedido – e não como o pastor evangélico caluniado pelos inimigos da sua igreja, que é como ele se apresenta.
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Iurd contra-ataca Folha e O Globo em reportagem no Domingo Espetacular
Reproduzido do portal Comunique-se, 18/2/2008
O programa Domingo Espetacular, da TV Record, dedicou pouco mais de 14 minutos para mostrar (assista aqui ao vídeo) a indignação de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) contra reportagens do Globo e da Folha sobre ações movidas contra a imprensa tanto pela igreja quanto por pastores e fiéis e sobre os bens da instituição. Os processos contra a Folha não são novidade. Atualmente, o jornal e a repórter Elvira Lobato respondem a 50 ações na Justiça, movidas em diferentes cidades do País.
Um corretor de imóveis e sua família dão o gancho à reportagem da Record. Ele promete entrar com ação junto com outros fiéis e a direção da Iurd contra O Globo pelo uso da palavra ‘seita’ na matéria ‘Igreja Universal tenta intimidar jornalistas’. O fiel se diz ofendido e um especialista em História das Religiões ouvido pela emissora afirma que o texto se utiliza de um tom pejorativo para definir a religião.
Definições
O dicionário Aurélio define seita como: ‘1. Doutrina ou sistema que diverge da opinião geral e é seguido por muitos. 2. Conjunto de indivíduos que professam a mesma doutrina. 3. Comunidade fechada, de cunho radical. 4. Teoria de um mestre seguida por numerosos prosélitos. 5. Pop. Facção, partido.’
‘O que faz a palavra ser pejorativa ou não é o contexto sociopolítico, é mais um lado psicolingüístico. A palavra `seita´ em si não tem carga pejorativa. Não dá para pegar o dicionário e determinar se ela tem carga positiva ou negativa. Um lado vai dizer que sim, e outro que não’, disse o professor de Português Sérgio Nogueira ao Comunique-se.
A reportagem do Globo começa o texto da seguinte forma: ‘Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) tenta intimidar jornalistas através de ações orquestradas na Justiça. Fiéis e pastores da seita ajuizaram cerca de 50 ações contra a Folha de S. Paulo e a jornalista Elvira Lobato (…)’. Há também um box com o seguinte título: ‘Seita montou um império diversificado’.
Para Rodolfo Fernandes, diretor de redação do Globo, ‘a campanha da TV Record e da cúpula da Igreja Universal contra a imprensa brasileira necessita de melhores argumentos: o Dicionário Houaiss possui oito definições para a palavra seita e nenhuma delas é pejorativa. Se é isso que deixou algum fiel ofendido, então o problema não existe’.
Elvira Lobato, que participou de mais uma audiência sobre este caso, chegou na manhã de segunda-feira (18/2) do Norte Fluminense. Ela não assistiu à reportagem da Record e pediu para falar sobre o assunto na terça (19/2).
A reportagem do Domingo Espetacular destaca matéria do Correio do Povo, pertencente à Rede Record, no Rio Grande do Sul, intitulada ‘Justiça impõe derrota à Folha de S. Paulo em ações de fiéis da Igreja Universal’, sobre pedido da Folha para que concentrem em uma cidade todos os processos movidos por eles. O pedido foi rejeitado.
Tribuna da Imprensa também enfrenta ação
O bispo e empresário Edir Macedo move ação baseada na Lei de Imprensa contra o jornal Tribuna da Imprensa e seu editor-chefe, Hélio Fernandes. O jornalista vem escrevendo uma série de notas em sua coluna sobre o que pensa e o que sabe do bispo. ‘Escrevo há anos e anos. O meu problema é a liberdade religiosa. E quando escrevo sobre ele, naturalmente é contra ele. Falo sobre a exploração da Iurd. E quero deixar claro que não tenho nada contra a Igreja. Até que no final do ano passado ele resolveu me processar. Mas estou tranqüilo’, disse.
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Nota da ABI
Como a mais antiga associação de imprensa do País e devotada desde a sua fundação, em 7 de abril de 1908, à defesa da liberdade de informação e de expressão, a Associação Brasileira de Imprensa acompanha com extremada preocupação o conjunto de ações judiciais ajuizadas contra os jornais Folha de S. Paulo e A Tarde de Salvador e contra a jornalista Elvira Lobato, repórter da Folha, por pastores e fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, que desencadearam contra esses órgãos e contra essa jornalista uma campanha de intimidação e coerção sem precedentes na história da comunicação no Brasil.
Ao longo de sua existência, o País conheceu a fúria repressiva do poder do Estado contra a liberdade de imprensa, como se deu sob o Estado Novo e sob a ditadura militar que nos infelicitou entre 1964 e 1985, mas jamais assistira a uma investida partida da própria sociedade civil contra a liberdade de informação com a abrangência e o conteúdo desta que se materializa nas ações judiciais armadas contra esses jornais e contra essa jornalista. Através desse procedimento, buscam os autores de tais ações obter a cobertura do Poder Judiciário para cercear e condicionar o exercício do direito de informação.
Numa evidência de que há um cérebro e um comando a centralizar a instauração dessas ações judiciais, seus autores estão espalhados por quase 20 Estados da Federação, no caso da Folha de S. Paulo, e ajuizaram esses feitos em Municípios longínquos, numa clara demonstração de que a ação assim coordenada tem por objetivo dificultar a defesa da parte adversa. Há a nítida intenção de dificultar o direito de ampla defesa e do contraditório assegurado pela Constituição, em face da disposição da lei processual de que o alegado na inicial será tido como procedente se não houver contestação, ainda que se ressalve, nesta hipótese, a formulação de convicção própria pelo juiz.
A existência de um comando na ação liberticida fica patente também em outros aspectos desse conjunto de ações, que repetem a mesma redação em quase todas as petições, à exceção de umas poucas, fazendo a mesma descrição, exibindo os mesmos argumentos e formulando as mesmas postulações, entre as quais a concessão do benefício da justiça gratuita, para livrar os autores dos ônus materiais de sua iniciativa. Salvo um ou outro caso, em que se reclama o pagamento de indenizações por danos morais que variam entre R$ 10.000,00 e 12.000,00, os demandantes fixam o valor do pleiteado em R$ 1.000,00, para diminuir o montante de seu desembolso na hipótese de negação do pedido de beneficio da justiça gratuita pelo juiz da causa.
Subscritas por pastores mobilizados pela Igreja Universal como um encargo de seu ofício religioso ou por fiéis convocados para tal missão, essas ações constituem em seu conjunto intolerável agressão à ordem democrática, pelo empenho em substituir o exercício de direitos consagrados pela legislação, especialmente o direito de resposta, por alternativa que, embora aparentemente abrigada pelas leis do País, subtrai o direito de ampla defesa estabelecido pela Constituição. É grave e preocupante que tal se faça sob o pálio de uma confissão religiosa, que se porá acima do olhar dissonante dos que não a professam e da visão crítica com que estes a encarem.
A ABI dirige-se aos magistrados responsáveis pelo julgamento dessas ações para alertá-los acerca dos danos que o deferimento do pleiteado pode causar à democracia no País, objeto de um processo de construção ainda não encerrado e que deixou ao longo da recente História do Brasil não poucas vítimas e não poucos mártires.
Apela também a ABI aos cidadãos comuns e às instituições representativas dos diferentes segmentos da sociedade para que manifestem a esses magistrados a sua preocupação com a decisão que deverão tomar em cada causa, que não afeta apenas a Folha de S. Paulo, A Tarde e a jornalista Elvira Lobato, mas principalmente a integridade da democracia no País. Com esse fim a ABI divulgará proximamente em seu site os nomes desses juízes e os endereços desses juizados, para viabilizar a manifestação dos cidadãos ofendidos por essa ação antidemocrática.
Por fim apela a ABI à Anistia Internacional para que desencadeie um movimento mundial de solidariedade com os jornais e a jornalista ora ameaçados.
Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2008
Mauricio Azêdo, Presidente
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Nota da ANJ
A Associação Nacional de Jornais (ANJ), na condição da mais representativa entidade dos jornais brasileiros e no cumprimento do seu histórico objetivo de defender a liberdade de expressão, o livre exercício da profissão de jornalista e o direito de o cidadão de ser informado, vê com imensa preocupação as recentes ações judiciais movidas por fiéis e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus contra jornais do país. Até a presente data, já chegam a 56 as ações contra a Folha de S.Paulo, 35 contra A Tarde, de Salvador (BA), e 5 contra o Extra, do Rio de Janeiro (RJ). No caso da Folha, as ações estão relacionadas a reportagem sobre a evolução da Igreja Universal. Nos casos de A Tarde e o Extra, o motivo das ações foi reportagem sobre a danificação de uma imagem sacra numa igreja católica de Salvador por um fiel da Universal.
As ações judiciais alegam pretensos danos morais sofridos pelas fiéis da Universal, mas não escondem o claro propósito de intimidar o livre exercício do jornalismo. São obviamente resultado de um planejamento, com argumentações, estratégias e objetivos idênticos. Mover as ações em grande número, com origem em diversos pontos do país, é uma tática que evidencia o verdadeiro intuito de causar transtornos aos jornais e jornalistas, que se vêem obrigados a comparecerem e constituírem defesa em dezenas de cidades e a multiplicarem, conseqüentemente, os custos de sua defesa. Na medida que criam essas dificuldades, os autores das ações e seus mentores, a rigor, pretendem induzir jornais e jornalistas a silenciarem informações a respeito da Universal. É uma iniciativa capciosamente grosseira e que afronta o Poder Judiciário, já que pretende usá-lo com interesses não declarados.
Felizmente, diversos juízes já tomaram decisões contrárias às ações, denunciando seus verdadeiros e condenáveis propósitos.
A ANJ renova sua solidariedade aos jornais e jornalistas alvos dessas ardilosas ações judiciais e se coloca à disposição desses e de outros veículos e profissionais que venham a sofrer igual violência. A imprensa brasileira tem uma longa e valiosa tradição na defesa dos interesses da sociedade e dos cidadãos de nosso país e não aceitará, de forma alguma, qualquer iniciativa que vise a constranger ou impedir o cumprimento desta missão.
A ANJ chama a atenção da sociedade brasileira para o caráter autoritário dessa ação orquestrada, que usa fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra os valores da liberdade em nosso país, se baseia na intolerância e indica a preocupante pretensão de impor um pensamento único, incompatível com a convivência democrática. É preciso impedir, desde já, o avanço dessa escalada obscurantista.
Julio Cesar Mesquita, Vice-presidente
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Nota da Fenaj
Jornalistas repudiam intimidação da Universal
A Federação Nacional dos Jornalistas, o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, o Sindicato dos Jornalistas da Bahia e demais Sindicatos do país filiados à FENAJ repudiam, com veemência, a atitude da direção da Igreja Universal do Reino de Deus, que desencadeia campanha de intimidação contra jornalistas no exercício da profissão.
Também apelam aos Tribunais e ao Superior Tribunal de Justiça no sentido de alertá-los para ações que se multiplicam a fim de inibir o trabalho de jornalistas em todo o país. O acesso e a divulgação da informação garantem o sistema democrático, são direitos do cidadão, e o cerceamento de ambos constitui violação dos direitos humanos.
A TV Record, controlada pela Universal, chegou ao extremo, inadmissível, de estampar no domingo, em cadeia nacional, a foto da jornalista Elvira Lobato, autora de uma matéria sobre a evolução patrimonial da Igreja, publicada na Folha de S.Paulo. Por esse motivo, Elvira responde a dezenas de ações propostas por fiéis e bispos em vários estados brasileiros.
Trata-se de uma clara incitação à intolerância e do uso de um meio de comunicação social de modo frontalmente contrário aos princípios democráticos, ao debate civilizado e construtivo entre posições divergentes.
O fato de expor a imagem da profissional em rede nacional de televisão, apontando-a como vilã no relacionamento com os fiéis, transfere para a Igreja a responsabilidade pela garantia da integridade moral e física da jornalista.
A Federação Nacional dos Jornalistas, o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, o Sindicato dos Jornalistas da Bahia e demais Sindicatos exigem que os responsáveis pela Igreja Universal intervenham para impedir qualquer tipo de manifestação de intolerância contra a jornalista.
O episódio nos remete à perseguição religiosa, absurda e violenta, praticada por extremistas contra o escritor Salman Rushdie, autor de Versos Satânicos, e as charges de Maomé publicadas no jornal dinamarquês Jyllands-Posten.
O jornalista Bruno Thys do jornal carioca Extra também é processado pela Universal em cinco cidades do Estado do Rio de Janeiro. O repórter Valmar Hupsel Filho, na capital baiana, já responde a pelo menos 36 ações ajuizadas em vários estados do Brasil, nenhuma delas em Salvador, sede do jornal A Tarde, onde trabalha.
Há evidência de que essas ações, com termos idênticos, estão sendo elaboradas de forma centralizada, distribuídas e depois impetradas em locais distantes, para dificultar e prejudicar a defesa, além de aumentar o custo com as viagens dos jornalistas ou seus representantes.
Encaminhados à Justiça com o nítido objetivo de intimidar jornalistas, em particular, e a imprensa, em geral, esses processos intranqüilizam e desestabilizam emocionalmente a vida dos profissionais e de seus familiares. Ao mesmo tempo, atentam claramente contra os princípios básicos da liberdade de expressão e manifestação do pensamento.
Em um ambiente democrático e laico, é preciso compreender e aceitar posições antagônicas e, mais ainda, absorver as críticas contundentes, sem estimular reações de revanche ou mesmo de pura perseguição.
Este episódio repete, com suas consideráveis diferenças, outras situações em que os meios de comunicação exorbitaram os fins para os quais foram criados. A Federação Nacional dos Jornalistas, o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, o Sindicato dos Jornalistas da Bahia e demais Sindicatos sustentam que a imprensa não pode se confundir com partidos políticos, crenças religiosas ou visões particulares de mundo.
Brasília, 20 de fevereiro de 2008. Diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas, Diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, Diretoria Sindicato dos Jornalistas da Bahia
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Nota da Abraji
A Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) promove um inédito processo de intimidação contra três jornalistas brasileiros e contra os jornais nos quais trabalham. São alvos dessa orquestração por serem responsáveis por reportagens sobre a Iurd os jornalistas Elvira Lobato (Folha de S.Paulo), Bruno Thys (Extra, RJ) e Valmar Hupsel Filho (A Tarde, BA). A tática da Iurd é orientar seus fiéis a queixarem-se na Justiça contra os jornais e os jornalistas em diversas cidades, de vários Estados, com o objetivo de dificultar a defesa dos jornalistas e das empresas.
São mais de 50 ações contra Elvira Lobato, 35 contra Valmar Hupsel e cinco intimando Bruno Thys. Como os processos são abertos em cidades distantes umas das outras e, muitas vezes, com audiência no mesmo dia, o trabalho de defesa torna-se extremamente difícil e a presença do jornalista intimado, impossível. Uma particularidade chama a atenção no texto dos processos: todos são muito parecidos, sugerindo uma ação orquestrada.
Reportagem veiculada no programa Domingo Espetacular, da Rede Record (de propriedade do bispo Edir Macedo, da Iurd), informa que as ações são parecidas porque foram todas orientadas por advogados da Universal. Contra as reportagens veiculadas nos jornais A Tarde e Extra, pastores e integrantes da Iurd se dizem indignados com a publicação de texto relatando que um fiel danificara uma imagem de São Benedito, em uma igreja católica em Salvador (BA). O jornal Folha de S.Paulo e a jornalista Elvira Lobato são acionados por causa da reportagem ‘Universal chega aos 30 anos com império empresarial’, publicada em 15 de dezembro de 2007.
A expectativa é a de que O Globo também será processado. No programa Domingo Espetacular veiculado no último dia 17, um fiel se disse ‘ofendido’ pelo fato de o jornal, ao noticiar o processo contra a Folha de S.Paulo, utilizar a palavra ‘seita’ para se referir à Iurd. Em sua maior parte, o programa Domingo Espetacular referiu-se à reportagem da Folha de S.Paulo. Nos 14 minutos e 19 segundos de veiculação do assunto, não foi citado, em nenhum momento, o amplo teor do texto de Elvira Lobato.
Na reportagem, a jornalista revela: ‘Em 30 anos de existência, completados em julho, a Igreja Universal do Reino de Deus construiu não apenas um império de radiodifusão, mas um conglomerado empresarial em torno dela. Além das 23 emissoras de TV e 40 de rádio, o levantamento da Folha identificou 19 empresas registradas em nome de 32 membros da igreja, na maioria bispos’.
Tendo em vista o exposto, a Abraji:
1.
Entende que o comportamento da Iurd difere do legítimo direito de todo cidadão de buscar na Justiça a reparação de uma ofensa, o que a Abraji reconhece e defende. A ação orquestrada dos processos, além da intenção imediata de intimidar os três jornalistas – o que por si só já seria grave –, mostra que a igreja tem um objetivo mais amplo, mais duradouro e mais deletério. É um recado enviado a repórteres e empresas de comunicação, buscando enredá-los em uma teia de temor difuso, que pode alcançar a todos e qualquer um, a qualquer momento, bastando que alguém se atreva a fazer aquilo que um jornalista faz cotidianamente por dever de ofício: investigar, relatar e publicar.2.
Alerta para o crescimento, em vários países do mundo, especialmente no Brasil, da tendência de utilizar a Justiça na tentativa de impedir a livre circulação de informações. Processados judicialmente, muitos jornais e jornalistas sentem-se intimidados para continuar a fazer investigações jornalísticas. Levantamento da revista eletrônica Consultor Jurídico indica haver no Brasil 3.133 processos contra profissionais da mídia. O valor médio das indenizações requeridas em 2003 era de R$ 20 mil e no ano passado foi de R$ 80 mil.3.
Propõe a discussão aprofundada do fenômeno conhecido como ‘indústria de ações judiciais’. É e deve continuar a ser inalienável o direito de uma pessoa, instituição ou empresa buscar a reparação de seus direitos na Justiça por possíveis danos causados pela mídia. Mas também são necessários mecanismos para impedir a eventual litigância de má-fé contra jornalistas e empresas de comunicação. É urgente debater o tema também nos meios jurídicos e nos poderes da República. Sem providências institucionais, corre perigo um dos pilares do Brasil democrático: o livre exercício do jornalismo para fiscalizar e bem informar a população.Por fim, a Abraji declara solidariedade irrestrita aos jornalistas e jornais atingidos e tem confiança de que o Poder Judiciário dará um desfecho para as ações de modo a não colocar em risco, de nenhuma forma, a prática do bom jornalismo e a liberdade de imprensa no Brasil.
19 de fevereiro de 2008
Diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)