Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Isso não merece atenção da mídia

Uma cesta básica e mais 50 reais: esse é o preço que um marido agressor – se for denunciado e julgado num tribunal de pequenas causas – paga por ter batido na mulher. Fica com a ficha limpa e pode bater de novo porque o jantar atrasou, a casa não está brilhando ou a mulher se negou a fazer sexo num dia qualquer. Os motivos mais comuns da violência doméstica.

Mas, para ficar sabendo disso é preciso ter tempo para dar uma busca na internet, onde basta digitar a expressão violência doméstica para descobrir que as mulheres que nunca foram agredidas – física ou verbalmente – por seus companheiros hoje em dia são quase exceção. Embora existam dezenas de sites dedicados ao tema, o assunto ainda não sensibiliza a imprensa. Nem mesmo quando organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde divulgam detalhados relatórios sobre o assunto, como aconteceu na semana passada.

O relatório, baseado em entrevistas com 24 mil mulheres em 10 países (Brasil, Bangladesh, Samoa, Etiópia, Tanzânia, Sérvia e Montenegro, Japão, Tailândia, Namíbia e Peru), ao longo de sete anos, revelou que uma em cada seis mulheres já foi vítima de violência doméstica e que muitas mulheres não denunciam a violência doméstica porque a consideram normal. Outras temem perder seus filhos ou serem humilhadas. Em muitos casos, as autoridades consideram a questão um assunto privado e não querem se envolver.

Sobre o Brasil, o relatório diz:

‘A violência doméstica afeta 27% das mulheres residentes em São Paulo e 34% das que vivem em Pernambuco, segundo pesquisa divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em levantamento feito por universidades e ONGs brasileiras e encomendado por agência da ONU, essas mulheres declararam ter sido vítimas de violência física infligida por seus maridos. Na pesquisa, da qual participaram 1.172 mulheres, 10% das entrevistadas em São Paulo e 14% em Pernambuco assinalaram que tinham sofrido violência sexual, que envolve obrigar uma pessoa a manter relações sexuais pela força ou com ameaças. Entre as mulheres que sofreram violência física, 40% em São Paulo e 37% em Pernambuco admitiram que tinham sofrido, pelo menos uma vez, ferimentos que iam desde escoriações, cortes e perfurações na pele até a ruptura de tímpanos e queimaduras. Em São Paulo, a cidade mais populosa do Brasil, com quase 40 milhões de habitantes, 25% das entrevistadas disseram ter enfrentado uma situação de violência física ou sexual desde os 15 anos e apontaram seus pais e membros femininos e masculinos de suas famílias como os primeiros responsáveis. ‘ (Folha de S.Paulo, 24/11).

O descaso com que essa notícia foi tratada pela imprensa nos leva a pensar em três hipóteses: o serviço de imprensa da OMS falhou na divulgação, a imprensa brasileira não acha relevante o fato de as mulheres serem agredidas ou, o que é pior, os editores de jornais e revistas têm a mais absoluta certeza de que a violência não atinge seus leitores (gente de classe média ou alta) e portanto não merece destaque.

Alto custo

Pode-se concluir que tem razão a assistente social Maria Helena Pedro Braga (no site www.umaqualquer.cjb.net) quando diz que ‘o silêncio ainda é cúmplice da violência. O silêncio das mulheres que sofrem a violência, o silêncio dos serviços de saúde, o silêncio que permite essa violência’. Ela esqueceu de mencionar o silêncio da imprensa, que sistematicamente desconhece o assunto.

Ao desconhecer o relatório da OMS, a imprensa deixou de registrar, por exemplo, que os brasileiros não estão sozinhos nesse comportamento: no Japão, 59% das mulheres sofrem algum tipo de violência por parte de seus parceiros; no México, elas somam 30%; nos Estados Unidos, 28%. E, segundo o BID, só o Canadá gasta, por ano, U$ 4,2 bilhões de dólares em dias de trabalho perdidos e custos hospitalares com mulheres vítimas da violência doméstica.

Quem sabe, quando a mídia perceber que a violência contra as mulheres tem alto custo econômico, o assunto passe a ganhar uma divulgação maior. Por enquanto, só é destacada quando o governo inaugura um novo serviço de atendimento. E nem mesmo o fato de a ministra não conseguir ser atendida ao fazer uma ligação – culpa das linhas congestionadas por mulheres querendo ajuda – despertou o interesse dos jornalistas.

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Jornalista