Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Jornais contra a Lei da Mordaça

A Itália amanheceu ontem sem seus principais jornais na banca, e com rádios e programas de TV em silêncio, com exceção daqueles controlados pelo primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi.

A imprensa protesta contra um projeto de lei — batizado pela oposição de Lei da Mordaça — que propõe restringir as escutas telefônicas durante investigações judiciais e prevê multa de até 450 mil euros aos meios de comunicação que publicarem o conteúdo das gravações antes do fim do inquérito.

Os críticos alegam que a nova norma foi concebida para proteger o premier e sua cúpula política dos escândalos de corrupção de que são acusados.

Berlusconi nega e defende a lei, afirmando que ela é ‘sacrossanta’ e protegerá a privacidade dos indivíduos.

Mas, de acordo com a Federação Nacional de Imprensa, a nova norma, que será votada pelo Parlamento no dia 29, limita a liberdade de expressão e é um golpe na luta contra o crime.

Premier já foi vítima de gravação secreta

O jornalista Roberto Saviano, conhecido no país por seu livro sobre a máfia, Gomorra, vai além: ‘A Lei da Mordaça não defende a privacidade do cidadão, ao contrário, defende a privacidade do poder (…), dos homens políticos nos seus feitos, ou melhor, malfeitos’, opina.

Os jornais italianos publicam regularmente transcrições de grampos policiais antes que essas gravações sejam apresentadas como prova no tribunal, tendo exposto dessa forma vários casos de corrupção envolvendo altas personalidades.

Recentemente, a imprensa revelou gravações que expunham um escândalo de corrupção por parte da agência italiana para alívio de desastres, como o terremoto que assolou o país em 2009. No passado, Berlusconi já foi ‘vítima’ de gravações secretas, que também ficam proibidas, salvo poucos casos.

Na época, a garota de programa Patrizia D´Addario gravou supostas conversas que teve com o premier e divulgou o conteúdo para a imprensa.

A Itália é considerada um dos países mais ‘grampeados’ do mundo. Segundo o ministro da Justiça, Angelino Alfano, autor do projeto de lei, existiriam mais de 100 mil escutas autorizadas a cada ano. A título de comparação, a França conta com 20 mil grampos ao ano, e os EUA com menos de 2 mil, de acordo com Alfano.

Segundo o projeto, as escutas só poderão ser efetuadas caso sejam detectados ‘graves indícios de delito’ e durante um tempo máximo de 75 horas, prorrogáveis por três períodos. O uso de microfones ambientais, que não poderão ser instalados em lugares privados, será limitado a 72 horas.

A imprensa fica proibida de publicar até um resumo da transcrições das escutas enquanto não estiver concluída a investigação preliminar.

Durante todo o dia de ontem, muitos sites jornalísticos e blogs ficaram sem atualização. Apenas assuntos relativos à lei foram abordados. Os dois principais jornais do país, Corriere della Sera e La Repubblica, não circularam.

Alguns meios de comunicação aderiram ao protesto de forma criativa, noticiando apenas fatos surreais. No Parlamento, a oposição também apoiou a ideia.

A organização internacional Repórteres Sem Fronteira solidarizou-se com os manifestantes, classificando o projeto de lei de draconiano.

No site do jornal de centro-esquerda La Repubblica, um dos principais do país, um manifesto explicava a decisão.

‘Esta greve é a única forma, num infeliz país com um monopólio televisivo impróprio, de levar ao público da televisão o que está acontecendo entre o poder, a Justiça, a informação e a opinião pública.

(…) Disso os telejornais não falam: por um dia, o blecaute de informação falará por eles e os telespectadores saberão que há um problema, e ele diz respeito a todos’. O subdiretor do jornal, Dario Cresto-Dina, disse que eles estão prontos para desafiar a lei, caso ela seja aprovada.

A manifestação da imprensa ocorre no momento em que Silvio Berlusconi luta pela aprovação de um pacote de austeridade de 25 bilhões de euros para tentar sanar as dívidas públicas, e enfrenta um racha da sua coalizão de centro-direita.

Sua popularidade caiu 9 pontos, para 41%, nas últimas seis semanas, segundo o jornal Corriere della Sera.